Artes/cultura
30/09/2022 às 12:00•3 min de leitura
De acordo com um levantamento feito pelo Data Favela em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa) e o Instituto Locomotiva, o Brasil atualmente tem 13.151 favelas – o dobro registrado 10 anos atrás pelo índice do IBGE –, com 11, 4 milhões de habitantes, espalhadas entre 743 cidades. Isso é equivalente a 8% da população brasileira.
No ano passado, o Instituto Data Favela e a Cufa realizaram uma pesquisa com 2.087 pessoas maiores de 16 anos em 76 favelas do Brasil que indicou que 68% delas não tiveram dinheiro para comprar comida em ao menos um dia nas duas semanas que antecederam o levantamento. O número de refeições diárias de moradores nas comunidades pelo Brasil vem caindo de uma média de 2,4, em agosto de 2020, para 1,9 em fevereiro de 2021. Cerca de 71% das famílias atualmente estão sobrevivendo com menos da metade da renda que tinham antes da pandemia, sendo que 93% dos moradores não têm nenhum dinheiro guardado.
Em 2019, um cruzamento feito pelo UOL com dados divulgados pela Rede Nossa São Paulo mostrou que 32% dos moradores da cidade se identificam como pretos ou pardos – categorias agrupadas sob o guarda-chuva "negros" –, mas em bairros periféricos da capital, como o Jardim Ângela, a população negra chega a 60%, quase o dobro da média, enquanto em bairros de alto padrão, como Moema, apenas 5,82% das pessoas são pretas ou pardas, deixando em evidência que os negros são a maior concentração nas comunidades pelo país.
Mas como as favelas surgiram no Brasil?
(Fonte: O Globo/Reprodução)
Começou com a escravidão, claro. Quando, em 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, dando liberdade a todos os escravos, ela não estava nem perto de acabar com todo o estigma que uma sociedade estruturalmente branca causou sobre a vida do povo negro, principalmente por enxergá-lo como animais.
Afinal, entre um dos vários motivos pelos quais o Brasil foi o último a abolir a escravatura no mundo estavam a dependência econômica, o prestígio social e o poder político por parte dos proprietários rurais. A rentabilidade do trabalho escravo postergou em 50 anos a abolição pela falta de votos pela Lei, até que pressões de outros países – que temiam que o Brasil se tornasse uma potência igual os Estados Unidos ou maior por sua mão de obra "gratuita" – levaram ao emblemático 13 de maio de 1888.
Canudos. (Fonte: Manual do Turista/Reprodução)
Com uma mão na frente e outra atrás, os negros foram lançados para uma sociedade totalmente branca que os temia e despreza com ódio de morte profundo, e o processo de segregação se cristalizou quando eles tiveram que procurar em morros, encostas, córregos e outros lugares uma forma de construir suas moradias.
O termo favela, porém, só surgiu durante a Guerra dos Canudos, em 1896, na Bahia. A fazenda onde se instalou o arraial de Canudos era Belo Monte, e chegou a ter mais de 35 mil habitantes, composta por pessoas que fugiram da extrema miséria do sertão nordestino. Com apenas uma vida de acesso, milhares de casas precárias feitas de madeira se amontoaram, constituindo uma cidade a parte, com leis, normas e até comércio próprio.
(Fonte: El País/Reprodução)
O século XX foi um período crucial de crescimento acelerado e disseminação das favelas pelo Brasil, por coincidir com a imigração dos italianos e japoneses e o início do processo de industrialização do país. Com isso, o êxodo rural de nativos e imigrantes que trabalhavam nas lavouras foi a única alternativa, incluindo construir casas e morar em lugares considerados zonas de risco, que era tudo o que o dinheiro poderia pagar. Isso tudo em meio ao cenário caótico da Primeira e Segunda Guerra Mundial.
A imigração se estendeu até 1980, quando o Brasil era pobre em PIB per capita, pouco escolarizado e muito desigual. O boom de urbanização também aconteceu demograficamente, com a população do país aumentando de 40 milhões para 120 milhões, levando o percentual de pessoas vivendo em cidades de 31% para 67%.
O resultado foi uma massa de brasileiros pobres e sem qualquer direito social vivendo de maneira precária ao ocupar loteamentos irregulares, comprados sem registro de grileiros, e em áreas inadequados.
(Fonte: Exame/Reprodução)
Em construções em sua maioria de madeira, eles viviam sem água encanada, energia elétrica, coleta de esgoto e de lixo, policiamento, transporte público, educação, saúde e lazer. Além de tudo isso, essas pessoas periféricas também não eram bem vistas pela sociedade, por constituírem todos os tipos de minorias excluídas e hostilizadas: nordestinos, imigrantes e negros.
Não é para menos que, por muito tempo, a única política pública movida pelo governo foi a erradicação das favelas, destruindo casas e expulsando seus moradores, que eram descritos como páreas e não cidadãos dignos de direitos.
Essa visão distorcida só começou a mudar com o fim da ditadura no país, e em meados da década de 1990, com a redemocratização do país através da Constituição de 1988, estabelecendo que os brasileiros que vivem nas favelas detêm direitos iguais e são resguardados pelo Estado. Começava então o processo de urbanização das favelas, levando serviços e infraestruturas.
O passar do tempo permitiu que esse processo adquirisse proporções ainda maiores, transformando todo o contexto socioeconômico, mas não o suficiente para atravessar a estrutura social, principalmente perante as estatísticas, mantendo ainda a pobreza, níveis elevados de desemprego, violência e falta de oportunidades para o povo periférico.