Artes/cultura
06/01/2014 às 05:01•2 min de leitura
Muito antes de inalarmos a nicotina a partir de cigarros, essa substância é usada pelas plantas para se defender dos animais. Vale lembrar que a nicotina é um químico tóxico e pode chegar a ser mortal para alguns seres. Sua ação acontece nos músculos e, quando ingerida em grandes quantidades, pode causar paralisia e consequentemente morte.
Mas não é isso o que acontece com a lagarta que você vê na imagem acima. Curiosamente, essa espécie (Manduca sexta) se especializou em se alimentar de folhas de tabaco, já que seu organismo tolera doses de nicotina que poderiam facilmente matar outros animais. Boa parte da substância é descartada pela lagarta, mas a porção que fica no seu organismo é utilizada como um mecanismo de defesa.
Pavan Kumar e seus colegas do Max Planck Institute for Chemical Ecology, na Alemanha, descobriram que o inseto exala a substância através de seus poros e assim cria uma nuvem tóxica ao seu redor, o que é suficiente para repelir possíveis predadores. Os pesquisadores chamaram esse fenômeno de “halitose defensiva”.
Tentativa de ataque de uma aranha a uma lagarta que apresenta uma nuvem de nicotina ao seu redor. Fonte da imagem: Reprodução/National Geographic
Para chegar a essas conclusões, a equipe de Kumar começou a criar essa espécie de lagarta em 2010. Ao alimentar os insetos com tabaco geneticamente modificado para apresentar uma quantidade reduzida de nicotina, os cientistas notaram que um dos genes da lagarta (que atende pelo nome de CYP6B46) se mostrou menos ativo do que em outros insetos, sugerindo que sua principal função seria resistir aos efeitos da nicotina.
O segundo passo da pesquisa foi alterar o tabaco de forma que ele pudesse desativar o gene no organismo das lagartas que se alimentassem da planta e, em seguida, soltá-las na natureza. Pouco tempo depois, os pesquisadores notaram que esses insetos morriam durante a noite. Descobriu-se que a causa da morte eram as aranhas-lobo – predadores que não ofereciam riscos para as lagartas que se alimentavam do tabaco não modificado. Porém, os insetos que tiveram o gene CYP6B46 desativado se tornaram presas fáceis para as aranhas-lobo.
Análises mais detalhadas mostraram que os corpos e as fezes das lagartas não apresentavam traços de nicotina, o que fez com que os pesquisadores notassem que a função do gene CYP6B46 era redirecionar a nicotina do estômago para a hemolinfa – que é um fluido que tem a mesma função do sangue. A partir daí, os insetos liberavam a substância tóxica através de seus espiráculos, que são pequenas aberturas com função respiratória.
De toda a nicotina que essa espécie de lagarta consome, apenas 0,65% é direcionado para a hemolinfa. Mesmo sendo uma quantia ínfima, essa concentração é suficiente para quadruplicar a quantidade da substância no ar ao seu redor e repelir insetos mal-intencionados.
Fonte da imagem: Reprodução/National Geographic
Vale a pena ressaltar que esse fenômeno não acontece exclusivamente com as lagartas que se alimentam de tabaco. No reino animal, sabe-se de outros seres que aproveitam as substâncias que ingerem como mecanismo de defesa, como é o caso da Malacosoma americanum, uma outra espécie de lagarta que carrega grandes quantidades de cianeto de hidrogênio e utiliza a substância para se livrar de formigas.
O que impressiona os pesquisadores é que a nicotina é realmente muita tóxica para ser armazenada. Independente disso, eles acreditam que a substância sirva para repelir outros predadores da lagarta, com exceção das formigas-leão e insetos de olhos grandes. Kumar e sua equipe ainda não sabem explicar como esses animais são capazes de capturar a lagarta e não sofrer com os efeitos da nicotina.
A lição que fica para nós é: o que não mata a lagarta do tabaco fortalece ainda mais a espécie.