Artes/cultura
18/11/2013 às 13:47•3 min de leitura
Apesar de já termos descoberto centenas de múmias em diferentes partes do mundo, o processo de mumificação ainda tem alguns mistérios a serem desvendados. Sabemos que alguns corpos tiveram órgãos – como o cérebro, os intestinos e os pulmões – extraídos e conseguimos inferir algumas informações sobre como os embalsamadores egípcios faziam isso a partir da análise dos corpos já encontrados.
Mas informações como quais eram os instrumentos utilizados, quais eram as técnicas mais recorrentes e como os egípcios treinavam para cuidar de seus falecidos são questões que ainda não tem respostas. Prova disso é a recém-descoberta que vimos aqui de que a causa da morte do faraó Tutancâmon teria sido um atropelamento e a carbonização espontânea de seu corpo teria sido causada por uma “mumificação fracassada”.
Em um trabalho que será publicado na edição de dezembro de 2013 do periódico Journal of Archaeological Science, o pesquisador Dr. Andrew Wade, da University of Western Ontario, investigou a fundo as técnicas de remoção de órgãos aplicadas pelos egípcios. Seu material de estudo foram scans e películas de 50 múmias egípcias. Antecipando o estudo a ser publicado, o pesquisador conversou por e-mail com o site Gizmodo e explicou mais detalhes sobre suas descobertas.
Dois dados que a ciência já havia revelado sobre a mumificação é que o cérebro costumava ser retirado pelo nariz e os órgãos também eram extraídos para prevenir o processo de decomposição, mas o estudo de Wade revelou novidades interessantes.
Segundo ele, existiam dois métodos principais tanto para a extração do cérebro quanto das vísceras. Sobre isso, ele explica:
“Primeiramente, o que vemos com frequência é a remoção do cérebro através da inserção de uma haste metálica em um buraco feito do nariz até a caixa craniana. Em segundo lugar, o que temos somente evidências não confirmadas é que o cérebro era removido através de uma incisão na parte de trás do pescoço, saindo por um buraco na base do crânio, no local de saída da medula espinhal”.
Além disso, o pesquisador revela que a ocorrência desses processos foi aumentando com o passar do tempo até um ponto em que a mumificação não era mais uma exclusividade da nobreza.
Fonte da imagem: Reprodução/Shutterstock
Durante muitos anos acreditou-se que a extração do cérebro era feita através do nariz com a ajuda de um gancho. O principal responsável por divulgar essa versão foi o historiador grego Heródoto, que descreveu o processo de mumificação no século 5 A.C.
No entanto, essa teoria foi parcialmente desconsiderada com a descoberta de instrumentos que foram deixados junto com duas múmias. Ambos eram compostos de matéria orgânica e acredita-se que tenham sido utilizados para liquidificar partes do cérebro e remover outras. De acordo com Wade, a maior parte dos pesquisadores acredita que os egípcios “passavam pelo osso com um gancho, usavam algum tipo de instrumento para misturar o cérebro e então o deixavam escorrer pelo nariz ou o expulsavam com água, vinho de palma ou outro líquido de efeito semelhante”.
A partir daí, Wade descobriu que, em alguns casos, o cérebro não era totalmente extraído e acabava embalsamado junto com o corpo, embora as evidências não sugiram uma recorrência.
Já sobre o processo de extração das vísceras, o Dr. Andrew Wade explica:
“Primeiramente, o mais conhecido é que os órgãos eram removidos através de um corte feito do lado esquerdo do abdômen. Em segundo lugar, o método menos frequente era a remoção através do ânus e da vagina ou de uma combinação dos dois. Por ser difícil de identificar a rota (as pernas eram amarradas juntas, então existem muitas dobras e acúmulo de resina ali), as consideramos extrações feitas pela região do períneo”.
Mais uma vez, a versão de Heródoto não corresponde às descobertas do pesquisador. O historiador descreve que era possível fazer uma rápida extração dos órgãos com a administração de óleo de cedro através do ânus, que fazia com que “o estômago inteiro e os intestinos ficassem em estado líquido”. Já o estudo de Wade não demonstra um uso extensivo do óleo de cedro. Em vez disso, ele notou uma diferença social nas técnicas empregadas – a retirada das vísceras através do períneo durante a mumificação era feita somente em mulheres nobres.
Os vasos canópicos eram utilizados para guardar os órgãos junto às múmias. Fonte da imagem: Reprodução/Shutterstock
O pesquisador também chama a atenção para o fato de que os egípcios se preocupavam em garantir uma boa vida após a morte. Dessa maneira, alguns órgãos retirados – como os rins, os pulmões, o estômago e os intestinos – e, depois de secos, eram armazenados em vasos canópicos que seriam guardados juntamente com o corpo.
Já o coração não era extraído, pois eles consideravam que o órgão era necessário para garantir o sucesso da pessoa na próxima vida. Mas o cientista notou que não era sempre que isso acontecia e explica:
“Sobre a remoção do coração, acredito que esse importante órgão era intencionalmente removidos das múmias comuns para garantir que as múmias nobres seriam favorecidas na vida após a morte. Os dados do meu estudo e de outras pesquisas sustentam uma preferência pela manutenção do órgão (que está relacionado à emoção e à inteligência) nos nobres e pela falta nas pessoas comuns... Então, a remoção do coração das pessoas comuns pode indicar que suas múmias simplesmente não teriam um coração, enquanto os nobres manteriam todas as suas faculdades e gozariam da vida após a morte assim como fizeram durante a vida”.