Artes/cultura
15/03/2021 às 12:00•4 min de leitura
ATENÇÃO: este texto pode ter conteúdos sensíveis por abordar um caso real.
Conrad Henri Roy III nunca esteve bem consigo mesmo, embora poucos soubessem disso. Nascido em 12 de setembro de 1995 na cidade de Mattapoisett, em Massachusetts (EUA), ele trabalhou por muito tempo com o pai, o avô e o tio no Tucker-Roy Marine Towing and Salvage, um serviço de treinamento de salvação marítima da família. Em 2014, ele se tornou capitão do Instituto Marítimo do Nordeste, formando-se com as notas mais altas na Old Rochester Regional High School, e foi aceito na Fitchburg State University.
Por fora, Roy era um jovem atleta versátil que sabia jogar beisebol, gostava de remar e tinha um ótimo desempenho em atletismo. Para todo mundo, ele era a típica promessa de um grande futuro, mas na verdade não era aquilo que as pessoas viam. Ele sofria de ansiedade social, e o simples ato de frequentar a escola e entrar na sala de aula era um drama diário para seu psicológico.
(Fonte: Fox News/Reprodução)
Agredido verbalmente pelo pai e abusado pelo avô, Roy sucumbiu à depressão assim que os pais se divorciaram em 2012. Em meados de outubro daquele ano, ele tentou cometer suicídio pela primeira vez. Foi então que começou a fazer acompanhamento com um psicólogo, a se consultar com um terapeuta cognitivo-comportamental e tomar um famoso antidepressivo. Contudo, isso não o impediu de ser hospitalizado com uma overdose de paracetamol no auge de seus 17 anos.
Ele estava conversando com uma garota por telefone quando tomou os comprimidos, e foi ela quem ligou para a polícia.
(Fonte: Metro/Reprodução)
Michelle Carter nasceu em 11 de agosto de 1996 na cidade de Wrentham, em Massachusetts, e começou a ter problemas alimentares quando era muito nova. Aos 9 anos, ela desenvolveu bulimia e passou a praticar automutilação para embotar os sentimentos que não conseguia administrar ou entender. Aos 14 anos, ela já fazia aconselhamento psicológico no McLean Hospital, em Belmont, e tomava muitos medicamentos para controlar a depressão.
Carter conheceu Roy em 2012, no período mais obscuro da vida do garoto, enquanto ambos passavam férias na casa de parentes na Flórida. Eles se aproximaram apenas devido às questões de saúde mental que tinham em comum.
“As pessoas da escola dizem que me amam e que gostariam de sair comigo, mas nunca se esforçam para isso. Então, sempre penso ‘por que não sou boa o suficiente?’. Além de que eu odeio meu corpo, não consigo comer normalmente”, Carter escreveu em uma mensagem para Roy.
E foi assim durante 2 longos anos. Apesar de estarem a apenas 56 quilômetros um do outro, eles se viram poucas vezes e se comunicavam mais por mensagens de texto e e-mails. Carter sempre se referiu a Roy como seu namorado, mas ele a considerava apenas uma amiga.
(Fonte: Boston.com/Reprodução)
Nas conversas que foram expostas por ordem judicial, foi possível perceber que por muito tempo Carter serviu como uma âncora emocional para Roy, sempre sugerindo para que buscasse ajuda, enquanto ele se mostrava irredutível e dizia que uma nova medicação o deixaria melhor.
Em 6 de junho de 2014, Carter revelou: “Estou com medo de você não melhorar e se tornar suicida de novo”. Roy a censurou: “Por favor, não diga isso. Tenho pensado nisso 1 vez a cada 4 dias e sei que não é uma opção”.
No dia 22 daquele mês, Roy regrediu ainda mais em seu estado emocional. “Eu nunca vou melhorar, tenho certeza disso”, confessou ele para Carter. “Você está em um túnel escuro agora, mas não vai durar para sempre”, confortou a jovem. “Você encontrará a luz um dia e eu estarei aqui para ajudá-lo a encontrar”.
(Fonte: CrimeLights/Reprodução)
Roy chegou a dizer que não sabia o que fazer consigo mesmo e mencionou novamente o suicídio como saída, e Carter foi incisiva: “Você não vai se matar. Você diz o tempo todo que quer, mas você ainda está aqui. Todas as vezes que você quis, não fez”.
Em mensagens trocadas em 5 de julho, entre 8h e 2h, Carter começou a apoiar a decisão de Roy de tirar a própria vida naquela noite. Ele disse que seria a oportunidade perfeita porque a mãe e o irmão estariam na casa de amigos em Rhode Island. A todo tempo, Carter desacreditou e ressaltou que ele sempre desistia na hora, dando a entender de que “quem muito fala pouco faz”.
Roy rebateu: “É difícil, Michelle”, e ela foi fria: “É, eu sei que é”. Naquela noite, o jovem não se matou, mas fez isso 8 dias depois.
(Fonte: CrimeLights/Reprodução)
Uma semana antes de 13 de julho de 2014, os jovens trocaram mais de mil mensagens; em boa parte delas, Carter se mostrou frustrada e um tanto revoltada com a demora de Roy para se matar.
“Você não pode ficar pensando sobre isso, só tem que fazer. Você disse que ia fazer, eu não entendo por que ainda não fez”, censurou Carter. “Eu também não entendo”, respondeu Roy. “Então eu acho que não vai fazer. Tudo isso para nada”, encerrou a jovem em uma das mensagens.
(Fonte: Cosmopolitan/Reprodução)
Um dia antes de sua morte, Roy já estava convicto, praticamente resignado. Carter o apoiou em todos os aspectos: “Eu acho que seus pais sabem que você está em uma situação muito ruim. Não estou dizendo que eles querem que você faça isso, mas sinto que eles podem aceitar”, escreveu ela. “Não há nada que possam fazer para salvá-lo. Eles vão ficar tristes, mas seguirão em frente. Eu não vou deixar eles ficarem depressivos”.
Roy concordou e até agradeceu a jovem por “abrir seus olhos”. Carter ainda pontuou: “Sorria sempre. Você tem tudo de que precisa. Esta noite é a noite. É agora ou nunca”. Então, sob as instruções detalhadas dela, Roy tirou a própria vida dentro de sua caminhonete no estacionamento de uma loja de conveniência.
Dessa vez, Carter não ligou para a polícia.
(Fonte: Newser/Reprodução)
Em 4 de fevereiro de 2015, Michelle Carter foi indiciada por homicídio culposo e processada pelo Tribunal Juvenil de New Bedford, em Taunton, Massachusetts. Durante o julgamento, Daniel Marx, o advogado da jovem, argumentou que ela tentou convencer Roy a não se suicidar e que nada que ela fizesse poderia ter mudado a decisão dele.
O julgamento ganhou popularidade quando as mensagens entre os jovens se espalharam pela internet depois que foram liberadas por ordem judicial; e se tornou comum opinar sobre a conduta de Carter e os limites da Primeira Emenda Constitucional, que garante liberdade ao discurso. O caso também abriu margem para que fossem discutidas novas perspectivas legais acerca do suicídio.
Mãe de Roy (Fonte: The Boston Globe/Reprodução)
Em 16 de junho de 2017, o juiz Lawrence Moniz considerou Michelle Carter culpada e a sentenciou a 2 anos e 5 meses de reclusão por homicídio culposo por ter o “dever de aliviar o risco”.
“As ações de Carter e sua omissão de agir onde ela tinha um dever autocriado com o Sr. Roy, desde que ela o colocou naquele ambiente tóxico, constituíram toda e qualquer conduta desenfreada e imprudente”, definiu o magistrado. Ele também pontuou que foi a última ligação que a jovem fez para Roy, instantes antes do suicídio, que o fez tomar a decisão, e não as mensagens trocadas durante a semana.
A pena de Carter foi reduzida para 1 ano e 3 meses, mas o caso foi parar no Tribunal da Suprema Corte de Massachusetts em 2017. No fim das contas, a pergunta que prevaleceu foi: alguém pode ser considerado culpado pelo suicídio do outro?
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Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada no Centro de Valorização da Vida (CVV) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive em feriados) pelo telefone 188 e atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.