Artes/cultura
22/11/2024 às 14:00•3 min de leituraAtualizado em 22/11/2024 às 14:00
Imagine uma imensa corrente, como aquelas usadas em bicicletas, movendo calor e regulando o clima do planeta. Essa é a Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês), um sistema vital de correntes oceânicas que inclui a famosa Corrente do Golfo. Cientistas alertam que essa gigante está desacelerando e pode entrar em colapso antes do fim deste século devido ao aquecimento global, o que traria consequências devastadoras e irreversíveis para o mundo inteiro.
Durante o período Último Interglacial (LIG, na sigla em inglês), cerca de 130 mil anos atrás, a Terra experimentou um cenário semelhante. As temperaturas eram mais altas, o gelo marinho era escasso e os níveis do mar estavam significativamente elevados.
A equipe do pesquisador Mohamed Ezat, da Universidade Ártica da Noruega, encontrou evidências de que o derretimento do gelo do Ártico bloqueou a formação de correntes profundas no Mar da Noruega, um ponto crítico para a AMOC. Isso desencadeou uma cascata de eventos que provocou um resfriamento intenso nos mares nórdicos e afetou o clima em larga escala.
Os mares nórdicos, situados entre a Groenlândia e a Noruega, desempenham um papel fundamental no transporte de calor oceânico. Segundo os pesquisadores, alterações na salinidade e densidade da água, causadas pela entrada de água doce proveniente do derretimento do gelo, interrompem o ciclo de convecção que mantém as correntes em movimento. Esse mecanismo é um exemplo claro de como pequenas mudanças no equilíbrio climático podem ter impactos enormes.
O estudo baseou-se na análise de núcleos de sedimentos retirados dos mares nórdicos, que funcionam como cápsulas do tempo, preservando informações valiosas sobre condições passadas. As assinaturas geoquímicas nesses sedimentos ajudaram os cientistas a reconstruir temperaturas e salinidade da superfície marinha, bem como as origens da água doce que alteraram a circulação oceânica.
Os cientistas alertam que, com o Ártico esquentando rápido e o gelo marinho desaparecendo a uma velocidade preocupante, estamos caminhando para uma situação parecida com a que ocorreu no passado. A previsão é de que, até 2050, o Oceano Ártico possa passar o verão inteiro sem gelo, o que pode desencadear uma nova onda de mudanças climáticas.
E os pesquisadores do estudo não estão sozinhos em suas preocupações. Em uma carta aberta recente, 44 dos principais especialistas em clima do mundo pediram ação urgente aos líderes nórdicos. A mensagem foi clara: subestimar o risco de um colapso da AMOC é um erro que pode custar caro.
A carta destacou que a AMOC em colapso não afetaria apenas a Europa, mas teria implicações globais, como um resfriamento drástico em algumas regiões e mudanças severas nos padrões de monções tropicais, ameaçando a agricultura e a segurança alimentar de milhões de pessoas.
Os efeitos do colapso da AMOC também se refletiriam no aumento dos níveis do mar, com impactos devastadores ao longo da costa atlântica americana e mudanças irreversíveis nos ecossistemas marinhos e nas pescarias.
Os cientistas acreditam que a previsão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — de que a AMOC provavelmente não entrará em colapso antes de 2100 — pode ser otimista demais e subestimar os riscos. O próprio Ezat destaca que o que eles descobriram sobre as mudanças ocorridas no Último Interglacial é um sinal de alerta para o que pode estar no nosso futuro.
De todo modo, uma coisa é certa: a AMOC, essencial para o equilíbrio climático, está em risco, e suas possíveis consequências seriam catastróficas. Entender o passado pode nos preparar melhor para o futuro, mas sem ação imediata, esse conhecimento pode ser insuficiente para evitar um desastre global.