Caso Markov: o incrível assassinato de um escritor por uma arma secreta

13/09/2024 às 18:003 min de leituraAtualizado em 13/09/2024 às 18:00

O assassinato de Georgi Markov em 7 de setembro de 1978, em Londres, é um dos capítulos mais intrigantes da Guerra Fria. Markov, um crítico feroz do regime comunista búlgaro, foi vítima de uma arma típica de filmes de espião: um guarda-chuva modificado que disparou uma pequena esfera contendo um veneno altamente letal.

Georgi Ivanov Markov, nascido em Sófia, Bulgária, em 1º de março de 1929, iniciou sua carreira como engenheiro químico antes de se tornar um escritor notável. Seus romances e peças de teatro ganharam grande popularidade na Bulgária, mas sua relação com o regime começou a deteriorar-se quando suas obras passaram a ser vistas como críticas ao governo

Em 1969, sob a crescente pressão do governo, Markov fugiu para a Itália e depois se estabeleceu em Londres, onde continuou sua carreira como jornalista e apresentador para a BBC.

Enquanto estava em Londres, o escritor se tornou uma voz poderosa contra o regime búlgaro, denunciando a corrupção e os abusos de poder do governo. Suas críticas acirradas tornaram-no um alvo para o regime de Todor Zhivkov, então governante e que já tinha sido amigo de Markov.  

Fim da linha

Georgi Markov, o escritor e dissidente búlgaro. (Fonte: The Guardian/ Divulgação)
Georgi Markov, o escritor e dissidente búlgaro. (Fonte: The Guardian/ Divulgação)

Em 1978, Markov foi alertado de que sua vida estava em perigo, mas continuou a ignorar as ameaças. Tudo parecia apenas intimidação, até que, num fatídico 7 de setembro, ele foi vítima de uma ataque silencioso e muito engenhoso.

Naquele dia, Markov estava esperando um ônibus na Ponte de Waterloo, quando sentiu uma dor aguda na coxa direita. Ele se virou e viu um homem se abaixando para pegar um guarda-chuva que parecia ter caído. O homem pediu desculpas com um sotaque estrangeiro e rapidamente entrou em um táxi. Markov ainda não sabia, mas tinha sido alvo de um assassinato sofisticado. 

Markov foi para o trabalho e notou apenas um pequeno inchaço e uma mancha de sangue em sua perna. No entanto, ao voltar para casa naquela noite, começou a se sentir mal e foi levado ao hospital no dia seguinte. Enquanto delirava, falava para os médicos que havia sido envenenado pelo governo búlgaro, o que não foi levado a sério em nenhum momento pelos médicos.

O diagnóstico inicial foi septicemia (infecção generalizada), já que sua contagem de glóbulos brancos estava alta, porém todos os esforços dos médicos não estavam surtindo efeito. Sua condição piorou rapidamente, levando à falência de múltiplos órgãos. Markov faleceu em 11 de setembro, aos 49 anos, quatro dias após o ataque.

Décadas de mistério

Para os espiões, uma guarda-chuva pode não ser só um guarda-chuva. (Fonte: GettyImages/ Reprodução)
Para os espiões, um guarda-chuva pode não ser só um guarda-chuva. (Fonte: Getty Images/ Reprodução)

A investigação da morte de Markov revelou um enigma que só foi parcialmente resolvido anos depois. Ao fazer a autópsia, o médico Rufus Crompton examinou a parte inchada da perna de Markov e notou que havia uma pequena perfuração no local, de onde saiu uma esfera de metal, com cerca de 1,7 milímetro de diâmetro. Porém, nenhum veneno foi encontrado na tal esfera. 

Apesar do mistério, os cientistas, com base na autópsia, no relato de Markov e de seus sintomas, propuseram que o escritor certamente teria sido morto por ricina — um veneno derivado das sementes da planta de rícino. Este veneno é extremamente potente, e uma dose ínfima (aproximadamente 22 microgramas) é altamente letal

A polícia britânica, em conjunto com especialistas, concluiu que a esfera foi disparada com um rifle de ar disfarçado como um guarda-chuva. O caso chocou o mundo e evidenciou a sofisticação e a crueldade dos métodos de espionagem da era soviética.

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O mortal "guarda-chuva búlgaro" em exposição. (Fonte: Getty Images/ Reprodução)

Com o tempo, surgiram mais detalhes sobre o caso que corroboraram as suspeitas. Ex-oficiais da KGB confirmaram que a corporação forneceu dispositivos de espionagem para o Serviço Secreto Búlgaro, incluindo guarda-chuvas que continham ricina.  

Posteriormente, a identidade do assassino foi revelada como Francesco Gullino, um dinamarquês de origem italiana, que havia sido recrutado para realizar o ataque sob o codinome "Agente Piccadilly". Apesar das evidências, Gullino nunca foi capturado e continua foragido.

A morte de Georgi Markov exemplifica a brutalidade da espionagem na Guerra Fria e a atmosfera de paranoia da época. Após a queda do regime búlgaro, ele foi relembrado e condecorado de maneira póstuma por sua crítica ao governo. O caso é um lembrete sombrio da eficácia das técnicas de espionagem usadas para silenciar dissidentes.

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