Ciência
22/01/2015 às 10:59•3 min de leitura
Pense em algo ou alguém que faz com que você sinta medo, medo de verdade. Por definição, medo é a “perturbação resultante da ideia de um perigo real ou aparente ou da presença de alguma coisa estranha ou perigosa”. O que é que faz, então, com que você se sinta perturbado diante de uma possível ameaça?
Tem gente por aí que tem medo de assalto, de sequestro, de voar de avião, de montanha-russa, de aranha-marrom, de ficar sozinho, de perder o emprego ou reprovar de ano. Só para citar alguns exemplos bem comuns.
Em alguns casos, porém, esse medo é infundado e pode acabar nos fazendo desistir de alguma coisa que, na verdade, não daria errado. Ou seja: além de uma perturbação decorrente de ameaça, o medo é também uma espécie de cerca elétrica, que de vez em quando nos impede de pular o muro e viver novas experiências.
Pessoas que deixam de fazer muitas coisas por sentirem medo podem acabar desejando uma vida livre desse sentimento de cautela, desse estado de alerta. Será, afinal de contas, que é possível viver sem medo? Não sabemos se é possível desenvolver uma forma de perder o medo, mas há uma mulher no mundo que vive sem nunca sentir essa sensação. O caso dela foi publicado no Washington Post, e, se você acha que estamos falando de uma pessoa de sorte, saiba que não é bem por aí.
Os pesquisadores que estudam o caso dessa mulher mantêm a identidade dela em sigilo, e, por isso, vamos chamá-la da mesma forma que os médicos: SM. Até janeiro deste ano, SM nunca havia sido entrevistada, mas há poucos dias ela resolveu participar de um programa de rádio – as perguntas foram repassadas a um dos médicos que cuida do caso dela. Ele fez as perguntas, gravou as respostas e as enviou à rádio em questão.
Perguntada sobre o que é medo, SM disse que não tem ideia do que seja, mas que está tentando descobrir. Um dos sintomas da condição de SM, conhecida como doença de Urbach-Wiethe, é a presença de uma voz mais rouca, bem como de pequenas saliências ao redor dos olhos e depósitos de cálcio em regiões específicas do cérebro. Apenas 400 pessoas em todo o mundo apresentam essa condição.
No caso de SM, algumas dessas calcificações cerebrais acabaram afetando a região da amígdala cerebelosa – temos duas amigdalas, uma para cada hemisfério cerebral, como você vê em vermelho na imagem acima. Essa área é a maior responsável pela sensação humana de medo. No caso de SM, a região está “petrificada” desde que ela era muito jovem, e, por isso, sua central de medo simplesmente não funciona mais agora que ela está na casa dos 40 anos.
Segundo o neurocientista Antonio Damasio, que também estuda o caso de SM, é como se alguém tivesse simplesmente arrancado essa pequena região do cérebro dela. Por ser artista, a paciente sem medo sempre teve problemas para desenhar ou identificar expressões faciais de medo, espanto, pânico e por aí vai. Da mesma maneira que você teria dificuldades para imaginar um sentimento sobre o qual nunca ouviu falar, SM não consegue, mesmo, entender o que é medo.
Ainda que não sinta medo, SM se lembra de quando já teve essa sensação, afinal, quando era mais jovem, a região do cérebro que hoje está calcificada era saudável. SM lembra, por exemplo, que sentia medo de animais que pudessem machucá-la. Hoje os médicos buscam maneiras artificiais de produzir uma noção de atenção redobrada, pelo menos, caso SM fique diante de animais venenosos, por exemplo.
A verdade é que simplesmente não sentir medo é um péssimo negócio, e SM usou como exemplo uma experiência pela qual ela mesma passou há algum tempo: certo dia, andando pela rua, SM viu um homem sentado em um banco. Ele disse “venha aqui, por favor”, e ela foi até a direção dele e perguntou: “Do que você precisa?” Em seguida, ele a puxou pela blusa e colocou uma faca em sua garganta, dizendo que iria cortá-la.
O que você faria em uma situação dessas? Provavelmente algo bem diferente do que SM fez. Na hora, ela resolveu responder: “Pode me cortar, eu vou voltar e assombrar a sua vida”. Felizmente, o homem a deixou ir embora, mas o final dessa história poderia ter sido bem pior.
SM já foi abordada por criminosos outras duas vezes e, mesmo tendo armas apontadas para a sua cabeça, simplesmente não ficou com medo. Depois de sair ilesa das experiências, SM não sentiu necessidade de pedir ajuda policial nem ficou com qualquer tipo de trauma.
Isso não quer dizer, obviamente, que SM é uma pessoa incapaz de reconhecer situações de perigo. Ela apenas não tem a resposta neurológica comum a quase todas as pessoas, e que nos dá a sensação de medo. Essa falta de resposta pode a colocar em situações de perigo, o que já tira qualquer possível vantagem de não sentir medo.
Depois de alguns anos de tratamento e tentativas, os médicos conseguiram fazer com que SM experimentasse uma sensação de medo. Para isso, eles elevaram a concentração de dióxido de carbono na corrente sanguínea de SM, o que é um dos sinais de sufocamento – em pessoas “normais”, isso causa uma sensação forte de pânico. Em SM, a sensação foi de perda de controle e instabilidade, e não exatamente uma vontade de gritar e sair correndo. E aí, você já tinha ouvido falar de uma condição como essa? Como reagiria se fosse com você?