Artes/cultura
18/09/2019 às 06:00•6 min de leitura
O que você faria se encontrasse um dragão na sua frente? E não estamos falando metaforicamente daquela pessoa medonha que vem te passar uma cantada na balada: falamos de dragões de “verdade”, daqueles que soltam fogo, possuem asas e são gigantescos.
Daria uma de Bilbo Bolseiro e passaria uma lábia no bichano como em “O Hobbit”? Ou tentaria domesticá-lo e sair voando por aí igual ao que o Soluço fez com o Banguela em “Como Treinar o Seu Dragão”? Ou, ainda, enfrentaria a besta alada fumegante na tentativa de resgatar a princesa, como Shrek fez em seu primeiro filme?
Brincadeiras à parte, os dragões realmente aparecem em diversos contos mitológicos ao redor do mundo. Eles normalmente não são bichos muito bonzinhos, e um bravo guerreiro precisa enfrentá-los até à morte. Confira agora 9 formas de matar um dragão de acordo com essas histórias.
No Antigo Testamento da Bíblia, o livro de Daniel mostra que ele e seu povo cultuavam um deus dragão. Questionado pelo rei da Babilônia, Daniel foi provar que de divino o tal dragão não tinha nada – ele seria bem mortal.
Mas nada de guerra, lanças ou batalhas: Daniel fez um plano mirabolante para matar o dragão envenenado. Ele cozinhou um bolo que tinha piche, gordura e fios de cabelo – o monstrengo comeu tudo sem hesitar e capotou logo em seguida. O povo babilônico, é claro, não curtiu nem um pouquinho o fato de Daniel ter matado o seu deus e o trancou em uma cova de leões.
A história mirabolante, entretanto, não pode ser encontrada em qualquer Bíblia. Por ser considerado um texto apócrifo, apenas algumas traduções gregas do livro sagrado mantém os trechos que falam do dragão.
Trechos bíblicos que fazem referência ao dragão babilônico morto por Daniel são considerados apócrifos
Essa história vem lá do Japão: segundo uma lenda de seu folclore, a jovem Tokoyo matou o temido dragão Yofune-nushi usando apenas um punhal. Ela encontrou a criatura enquanto procurava o seu pai, que estava desaparecido.
Yofune-nushi era um dragão marinho que cobrava tributos dos pescadores: anualmente, uma jovem precisava ser sacrificada para que ele poupasse os outros aldeões de grandes tempestades. Ao se deparar com o dragão, Tokoyo se ofereceu como a oferenda daquele ano e foi levada à sua caverna.
Lá ela encontrou uma estátua de Hojo Takatoki, o homem que tinha prendido o seu pai. Tentando recuperar o artefato, Tokoyo precisou enfrentar o dragão e conseguiu golpeá-lo primeiramente no olho direito e depois no coração. A jovem voltou ao vilarejo carregando a estátua e encontrou o real Hojo, que havia se curado de uma doença que estava atrelada à vida do dragão e à própria escultura. Como forma de gratidão, ele soltou o pai de Tokoyo e todos viveram felizes para sempre.
Na lenda japonesa, Tokoyo matou o dragão Yofune-nushi com um punhal no coração
Senso fashion é uma coisa que os homens normalmente não possuem. Por isso, quando Gerolde saiu para tentar se tornar um assassino de dragões, algumas pessoas comentaram que sua armadura era muito brilhante. A história faz parte do folclore britânico e mostra como a sorte pode estar a favor dos menos ligados à moda.
Ao se encontrar com o monstrengo, um raio de luz refletiu na armadura lustrosa de Gerolde e cegou temporariamente o bicho. Foi o suficiente para o bravo herói matá-lo com uma lança e se tornar uma lenda em sua aldeia, que o presenteou com todos os tipos de mimos – inclusive com um casaco que Gerolde usou sobre a armadura ao enfrentar seu segundo dragão.
Porém, sem a vantagem “luminosa” da primeira luta, o bravo guerreiro foi reduzido a cinzas pelo dragão, sem tempo de dar nenhum golpezinho sequer. Pobre Gerolde, mal teve tempo de curtir a fama.
Reflexo solar em armadura de Gerolde fez o guerreiro vencer o seu primeiro duelo contra um dragão
Um dos dragões mais famosos da humanidade é o que foi morto por São Jorge. Mas será que você conhece a história inteira? Diz a lenda que o soldado romano encontrou uma donzela em perigo e lutou contra o monstrengo para resgatá-la. Ao ferir o dragão com uma lança, São Jorge teria se virado em direção à princesa.
Porém, o bicho ainda estava vivo, e São Jorge conseguiu domá-lo ao colocar o seu cinturão de ouro em volta do pescoço dele. Ele voltou com a donzela e o monstro até o vilarejo e explicou que, se todo mundo se convertesse ao Cristianismo, ele mataria o dragão. Como todos concordaram, São Jorge aniquilou a criatura.
A lenda de São Jorge é uma das mais conhecidas em todo o mundo
Na Dinamarca, também existe uma lenda envolvendo essas criaturas. O conto diz que o rei Frotho I ouviu um camponês cantando uma música que falava de um dragão que morava em uma ilha remota e mantinha uma enorme fortuna em ouro sob suas posses. Imediatamente, o rei foi atrás do monstro para tentar matá-lo e tomar o tesouro para si.
Ao se encontrar com o dragão, Frotho tentou acertá-lo com uma lança, mas uma “armadura” feita de ouro cobria quase todo seu abdômen, dificultando sua aniquilação. Apenas um pedacinho do seu peito estava à mostra, e foi então que o rei notou que precisava acertar a besta naquele buraco para vencê-la. Dito e feito! O rei conseguiu acabar com o dragão e herdar o seu tesouro.
A história parece familiar, não é mesmo? Em “O Hobbit”, o dragão Smaug possui a mesma descrição e foi morto do mesmo jeito. Acontece que o autor J. R. R. Tolkien se baseou nessa lenda para criar o seu cruel dragão.
Tolkien se inspirou em lenda dinamarquesa para criar a história do dragão Smaug
Na Áustria, uma lenda conta que o temível dragão Lindwurm passou a habitar os arredores de Klagenfurt. Quem se atrevia a entrar em suas “terras” era dilacerado. Cansado de tantas tragédias, um rei enviou um grupo de soldados para matar a fera.
Os guerreiros envolveram um touro com arame farpado e o esconderam dentro da toca do dragão. Quando viu o banquete pronto para ser devorado, Lindwurm não pensou duas vezes e abocanhou a isca. Só então percebeu que caíra em uma armadilha e foi morto pelos soldados, que arrancaram sua cabeça e expuseram seu crânio na Câmara Municipal.
Mesmo depois de descobrirem que o crânio pertencia, de fato, a um rinoceronte, os austríacos continuaram cultivando a lenda. Tanto que, em 1582, ergueram uma estátua maciça em uma praça da cidade como forma de relembrar a temível criatura.
Estátua de Lindwurm enfeita a cidade de Klagenfurt desde 1582
Conta-se que, certa vez, a divindade hindu Krishna estava passeando quando encontrou o dragão Kaliya, que possuía várias cabeças. O monstro estava envenenando as águas e as terras da região e Krishna resolveu matá-lo. Para isso, a divindade indiana transformou o rio em que Kaliya morava em uma enorme banheira de hidromassagem.
Muitos iriam curtir, mas o dragão de várias cabeças ficou irritadíssimo e começou a atacar Krishna. A divindade era muito mais poderosa do que Kaliya poderia imaginar e nem mesmo o fogo, a água ou sua mandíbula eram páreos para o poder do deus hindu. Fora da água, Krishna pulou sobre uma das cabeças do dragão e iniciou um ritual de dança enquanto entoava sua flauta.
De tanto pular sobre uma das cacholas do dragão, ela ficou esmagada. Krishna então saltou para outra cabeça e foi repetindo o processo até estar perto de detonar o monstro por completo. Porém, algo inesperado aconteceu: a esposa do dragão Kaliya apareceu e implorou misericórdia a Krishna, que desistiu de aniquilar o dragão e apenas o baniu de suas terras.
Krishna quase derrotou Kaliya dançando sobre suas cabeças
Segundo a tradição polonesa, um homem chamado Krakus foi o responsável por fundar a cidade de Cracóvia e construir o castelo de Wawel. E não é só isso: ele também teria matado um dragão!
A lenda se passa no século 11, quando o terrível dragão Smok morava na colina Wawel e atormentava os habitantes da região. Ele comia bois, ovelhas e criancinhas, além de tacar fogo em quem se enfiava no seu caminho. Krakus bolou um plano mirabolante para acabar com a ameaça: fez uma mistura secreta, banhou uma ovelha com isso e colocou perto da toca de Smok.
O dragão, é claro, se deliciou com o banquete grátis. Porém, a mistura de Krakus fez Smok sentir uma sede danada! Ele saiu ensandecido de seu esconderijo e começou a beber água de um rio da região. O coitado bebeu tanta água que explodiu! Krakus foi considerado um herói e depois disso fundou a cidade e construiu o castelo.
Gravura de 1544 retrata Smok e as ovelhas
A mitologia grega é uma das mais amadas e conhecidas em todo o mundo. Nela, o dragão marinho Cetus foi enviado por Poseidon para destruir a rainha Cassiopeia, que teve a infeliz ideia de dizer que sua filha Andrômeda era a criatura mais linda do Universo. Isso ofendeu as ninfas Nereidas, que exigiram o castigo contra a rainha linguaruda.
Cetus passou a atacar o país de Cassiopeia, que recorreu ao oráculo de Amon para saber o que precisava fazer para vencer o monstro. A morte da filha Andrômeda como sacrifício pela blasfêmia seria a única solução, tanto que a rainha e seu marido Cepheus a acorrentaram nua em um penhasco à beira-mar.
Montado em seu cavalo Pégasus, Perseu avistou Andrômeda amarrada e se encantou pela princesa. Ao descobrir a profecia do oráculo, o herói se ofereceu para matar o dragão Cetus em troca de se tornar marido de Andrômeda. Perseu voou ao redor do monstrengo, retirou a cabeça da Medusa de uma mochila e transformou o dragão em pedra, fazendo-o afundar no mar. Logo depois, se casou com Andrômeda.
Perseu transforma Cetus em pedra mostrando a cabeça de Medusa
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*Publicado originalmente em 04/09/2015