Ciência
08/05/2018 às 11:48•3 min de leitura
No último sábado (5), o rapper Childish Gambino lançou o clipe “This is America”, que está sendo considerado desde já um dos melhores do ano. Sem pudor algum, ele mostra cenas de violência e morte para criticar o racismo histórico sofrido pelos afrodescendentes nos EUA. Até o momento, o vídeo já tem cerca de 40 milhões de visualizações.
Você nunca ouviu falar do cantor? Childish Gambino é o codinome usado pelo ator Donald Glover em seus trabalhos musicais. Como ator, ele venceu o Globo de Ouro e o Emmy por sua atuação na série “Atlanta”, criada, dirigida e escrita pelo próprio Glover! Apesar de costumeiramente abordar o racismo em suas obras, foi com o clipe de “This is America” que Glover cutucou na ferida histórica norte-americana. Ainda não assistiu? Veja agora:
Agora, confira 5 referências sobre a cultura afro e sobre o racismo presentes no clipe:
Jim Crow é um personagem folclórico da escravidão norte-americana: presente em diversas canções, ele era descrito como um escravo preguiçoso, estúpido e inferior na escala humana, algo que acabou “pegando” para descrever qualquer afrodescendente da época. Thomas D. Rice, um ator branco, adaptou esse personagem para o teatro, pintando o corpo e a cara de preto – a tal blackface – e agindo de maneira bem estereotipada.
Childish Gambino traz essa representação logo no começo do clipe de “This is America”. Logo no primeiro assassinato, ele assume uma posição clássica de representações de Jim Crow, com as pernas tortas, andar desengonçado e caretas. O fato de Crow (“corvo”, em inglês) matar outro personagem negro, que seria a representação dos tocadores de blues, algo típico da cultura afro norte-americana, seria uma forma de mostrar que foi a representação dos negros como pessoas inferiores que prevaleceu no imaginário popular.
A representação clássica de Jim Crow e a pose adotada por Childish Gambino: muito parecidas
Assassinatos em massa não são raros nos Estados Unidos, sendo que, mesmo assim, todos chocam a população. Em junho de 2015, um evento desses aconteceu em Charleston, na Carolina do Sul: o supremacista branco Dylan Roof, na época com 21 anos, entrou na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel e assassinou 9 pessoas, incluindo o pastor. Outra pessoa foi baleada e sobreviveu. Roof foi condenado à morte pelo atentado.
Childish Gambino faz uma referência a esse triste caso na metade da música: um coro gospel, típico da cultura afro nos EUA, aparece animado cantando, até ser dizimado pelo cantor que usa uma metralhadora para isso. As armas, inclusive, aparecem com frequência no vídeo, sendo melhor tratadas do que os mortos, uma possível crítica de Gambino ao fácil armamento da população e à ultravalorização das armas em detrimento da vida humana.
Massacre de Charleston chocou a comunidade afrodescendente norte-americana
O clipe é bastante coreografado, com vários momentos em que Childish Gambino dança sozinho ou acompanhado. Além de passos tradicionais da cultura norte-americana, provenientes do rap e do hip hop, Gambino também faz alusões ao shoki e à gwara gwara, típicas da África do Sul. A dança afro é exibida como um traço cultural admirado por muita gente.
Só que enquanto essas cenas são mostradas, um pandemônio acontece ao fundo. Acredita-se que, apesar de exaltar a dança como um movimento de resistência, Gambino esteja mostrando que muitas vezes as pessoas se distraem e não percebem a violência que a comunidade afrodescendente sofre diariamente. Até mesmo um cara se suicidando ao fundo passa despercebido ao primeiro olhar, uma crítica ao crescente número de suicídios entre jovens afro-americanos.
Dança: resistência e distração
Cada vez mais cresce o número de vídeos que mostram a truculência policial norte-americana contra cidadãos pardos, negros ou latinos. Isso tem gerado um debate cada vez maior sobre o comportamento policial na abordagem de pessoas dessas etnias, mostrando que existe uma grande disparidade no tratamento dado a elas em relação a pessoas brancas.
No clipe de Childish Gambino, isso pode ser visto em uma cena em que jovens afros com panos brancos na boca – como se estivessem sendo silenciados – aparecem segurando celulares filmando toda a ação. É como se Gambino mostrasse que eles fazem parte do movimento que tenta denunciar a brutalidade sofrida por seus companheiros negros. Além disso, alguns acreditam que essa cena seria uma referência ao assassinato do jovem Stephon Clark, de 22 anos, pela polícia em março deste ano: seu celular foi “confundido” com uma arma.
Espectadores e vítimas da violência policial
Presente dos franceses ao povo norte-americano, a Estátua da Liberdade celebra a independência dos Estados Unidos e a terra livre que os imigrantes irão encontrar ao chegar ao país. A realidade, hoje em dia, é bem diferente: imigrantes sofrem perseguições constantes e, a Terra do Tio Sam já deixou de ser sinônimo de prosperidade.
No finalzinho do vídeo “This is America”, a cantora e compositora Solána Imani Rowe, conhecida como SZA, aparece como uma releitura da Estátua da Liberdade assistindo à dança solo de Childish Gambino. Essa cena acontece pouco depois de todo o caos do clipe, em um momento de calmaria, ou seja, uma crítica sobre a hipocrisia do povo norte-americano, na qual a “Liberdade” assiste passivamente aos eventos caóticos sem fazer nada.
SZA no clipe (à esq.) e em foto no Instagram (dir.): representação da liberdade hipócrita
***
Sabia que fãs de filmes e séries agora estão no Clube Minha Série? Neste espaço, você também pode escrever e encontrar outros especialistas sobre seus programas favoritos! Acesse aqui e participe.