Ciência
27/06/2018 às 05:01•2 min de leitura
"Se um homem encontrar uma jovem virgem, que não seja casada, e, tomando-a, dormir com ela, e forem apanhados, esse homem dará ao pai da jovem cinquenta siclos de prata, e ela tornar-se-á sua mulher. Como a deflorou, não poderá repudiá-la". O trecho acima está no livro bíblico do Deuteronônomio, 22, 28-29, no Antigo Testamento.
Um pouco antes disso, nos versículos 23 e 24, o mesmo livro sugere que, se um homem encontrar uma mulher prometida ou casada e se deitar com ela no campo, tudo bem, aí a culpa é só dele, porque ninguém a teria ouvido de qualquer forma. Mas, se for na cidade, os dois devem ser apedrejados — ele pelo ato, ela porque não gritou pedindo ajuda.
Em vários dos livros, tanto do Novo quanto do Velho Testamento, as mulheres são prometidas e oferecidas como moeda de troca para estabelecer alianças entre populações ou mesmo entre famílias inimigas. Relatos de estupro acontecidos com mulheres de diferentes castas e grupos socias terminam com impunidade.
Embora tudo isso seja talvez um reflexo da forma de organização social da época, é inegável que a Bíblia segue sendo, até hoje, uma grande influenciadora do comportamento social da população e um documento que ajuda a definir a conduta de muita gente.
Dito isso, passagens como essa são perigosas quando dão suporte para a culpabilização da vítima, situação encarada por várias pessoas que enfrentam seus violentadores, mesmo que o façam na Justiça.
Segundo Katie Edwards, diretora do Intituto para Estudos Bíblicos Interdisciplinares da Universidade de Sheffield (SIIBS), no Reino Unido, "como um documento profundamente influente sobre a cultura, a Bíblia tem muito a dizer quando se trata de atitudes em torno de sexo, vergonha e identidade de gênero. Estupro é endêmico na Bíblia, tanto literal quanto metaforicamente, e mais frenquentemente do que não, funciona como um condutor para competição masculina e uma ferramenta para defender o patriarcado".
Os exemplos são muitos. Além das falas do livro Deuteronômio que tentam estabelecer regras sob as quais homens e mulheres deveriam ser punidos em casos de estupro, os livros Samuel e Juízes também estão carregados de trechos.
No primeiro, a história de Davi que manda trazer a ele Betsabé, uma mulher bonita que ele viu tomando banho, e a estupra — ainda que ela fosse casada e não tenha tido muito poder de recusa. Seu filho Ammon faz igual, estuprando sua meia-irmã Tamar, embora ela implore a ele que não o faça. Mais à frente, Absalão, também irmão de Tamar, faz o mesmo com dez concubinas de Davi.
Já em Juízes, os benjaminitas vão até Jabes, em Galaad, e sequestram 400 mulheres, obrigando-as a desposar seus sequestradores — supostamente tudo isso com a bênção do Senhor.
Nos dois primeiros exemplos, de Davi com Betsabé e de Amnon com Tamar, a culpa está nelas — por serem muito sedutoras ou muito belas.
"Um traço comum no texto bíblico é que as mulheres são responsáveis por manter sua 'pureza' sexual. Isso não é do interesse de seu próprio bem-estar, mas para garantir que, como propriedade masculina, as mulheres permaneçam 'sem danos'. Essa parece ser uma situação sem vitória. As mulheres que cumprem ideais femininos — como Betsabé, descrita como 'muito bonita' — tendem a atrair atenção sexual masculina negativa, muitas vezes violenta", explica Katie.
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