Estilo de vida
04/11/2019 às 13:00•2 min de leitura
O dia 4 de novembro é o Dia das Favelas. Palco de histórias, músicas, conflitos e "pacificações", a verdade é que o surgimento, espalhamento e consolidação das favelas ainda são aspectos obscuros da história humana, arquitetônica e social do Rio de Janeiro, cidade onde a designação “favela” começou a ser usada.
E por não conhecerem as práticas, a organização e a dinâmica daquelas comunidades, as pessoas, com boas ou más intenções, passam a construir preconceitos e julgamentos de valor, como se cada “favelado” fosse dotado de características comuns a todos os outros moradores do lugar.
Paulo Barreto, um dos maiores jornalistas brasileiros do início do século XX, escrevia, sob o pseudônimo de João do Rio, que as favelas eram um “outro mundo” dentro da realidade carioca. E as descrevia da seguinte forma em 1911: “O morro era como outro qualquer morro. (...) A iluminação desaparecera. Estávamos na roça, no sertão, longe da cidade. (...) De um lado e de outro casinhas estreitas, feitas de tábua de caixão, com cercados indicando quintais”.
Dois cronistas, estes do século XXI, Sidney da Silva e Marcos Paulo de Jesus Peizoto, conhecidos como MC Cidinho e MC Doca, registraram num funk o que é viver numa favela: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem o seu lugar”.
Mas, afinal, qual é a verdadeira favela? A que sofre com falta de infraestrutura urbana ou o antro de marginais? O morro de Santo Antônio de João do Rio ou a Cidade de Deus de Cidinho & Doca? A comunidade onde cidadãos tentam viver em paz ou as representações estereotipadas que rendem fatos, votos e medos?
Para começarmos a entender essa história, é preciso buscar longe, no tempo e no espaço, a origem da palavra “favela”.
Divisão de artilharia na Guerra de Canudos. Atrás, o morro da Favela (Fonte: Flávio de Barros/Acervo Museu da República)
“Conjunto de habitações populares toscamente construídas (por via de regra em morros) e com recursos higiênicos deficientes”. Essa é a descrição no dicionário Aurélio sobre o brasileirismo “favela”. A origem do nome, no entanto, está ligada a um dos maiores clássicos da literatura brasileira: Os Sertões, do escritor fluminense Euclides da Cunha.
A obra, publicada em 1902, é considerada o primeiro livro-reportagem escrito no Brasil, pois seu autor era correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Os sertões descritos com riqueza de detalhes referem-se à região baiana onde ocorreu a chamada guerra dos Canudos, nos anos de 1896 e 1897.
No livro, o jornalista se refere da seguinte maneira ao local onde se amotinaram os fiéis do beato Antônio Conselheiro: “elítica curva fechada ao sul por um morro, o da Favela, em torno de larga planura ondeante onde se erigia o arraial de Canudos…”. O nome do morro devia-se a uma planta comum na região, as favelas (Jatropha phyllacantha), “anônimas ainda na ciência — ignoradas dos sábios, conhecidas demais pelos tabaréus…”.
Quis o destino que o morro da Favela, pela sua localização estratégica, abrigasse as tropas federais enviadas para esmagar a revolta. E assim foi feito: o arraial foi destruído e grande parte dos 25 mil moradores morreram, além de cerca de 5 mil soldados.
Antenor Nascentes, etimólogo carioca, fala sobre os sobreviventes em seu Dicionário Etimológico de 1932: “Veteranos da campanha pediram permissão ao Ministério da Guerra para construir casas para suas famílias no morro da Providência [no Rio de Janeiro]. Daí por diante, o morro, seja como recordação da campanha, seja por alguma semelhança de aspecto ou por estar sobranceiro à cidade, como o de Canudos, passou a chamar-se da Favela, nome que se tornou por assim dizer nacional”.
Foi assim que esse tipo de assentamento — que se tornou cada vez mais comum desde então — passou a ser denomidado favela, pegando emprestado o nome que veio do morro baiano perto de Canudos e batizou originalmente o morro da Providência, no Rio.