Artes/cultura
10/02/2020 às 10:53•7 min de leitura
O Carnaval brasileiro é uma atração turística muito conhecida, atraindo a atenção de pessoas em vários lugares do mundo. Mas existem outros países onde as comemorações da data são extremamente famosas também. A Itália é um deles, com festas e tradições que podem ser bem diferentes das nossas, mas ainda assim são de tirar o fôlego.
Vamos começar com um grande diferencial (e também muito apetitoso, por sinal), os doces tradicionais italianos para a data. Esse costume talvez exista porque as festas de Carnaval eram uma forma de aproveitar ao máximo antes do tempo de jejum da Quaresma.
Um deles é uma massa frita açucarada que em cada região do país tem um nome diferente: em Piemonte e Ligúria é chamado de bugie, na Emília-Romanha é frappe, na Toscana é cenci, entre outros nomes. É um doce tão famoso na Itália nesta época, que segundo as lendas, os romanos já consumiam essas iguarias nas Saturnálias.
Outro prato um pouco estranho, mas que dizem ser muito saboroso, é o sanguinaccio, um pudim que tem como ingredientes sangue de porco, açúcar e chocolate derretido. Essa sobremesa normalmente é acompanhada pelo que conhecemos aqui no Brasil como biscoito champanhe. Para quem torceu o nariz com a menção do sangue, existem versões que levam apenas o chocolate.
Além disso, tem o castagnole, bolinhas de massa frita com açúcar e com um leve sabor de raspas de limão. Em Milão, o bolinho é conhecido como tortelli e pode vir acompanhado de ricota. Deu até fome, né?
As origens do Carnaval veneziano são antigas. A primeira evidência da festa pode ser um documento de 1094 chamado Doge Vitale Falier, falando sobre entretenimento público e no qual a palavra Carnaval foi mencionada pela primeira vez.
O estabelecimento da comemoração pela oligarquia de Veneza é geralmente atribuído à necessidade de conceder ao povo, especialmente, a camada mais humilde, uma época totalmente voltada à diversão e festividades (como na Roma Antiga), para que as pessoas da cidade e estrangeiros pudessem curtir por toda a cidade com muita música e dança.
Porém, o Senado veneziano só formalizou o Carnaval em 1296, com um decreto que declarava que o último dia antes da quaresma fosse festejado. Mas é claro que a população já começava a comemorar bem antes, desde dezembro. Essa oficialização do evento trouxe junto vários costumes e negócios sazonais, como as escolas ou confrarias dos mascareri, os artesãos que produziam as máscaras e fantasias para os foliões.
As máscaras italianas de carnaval são inspiradas no famoso gênero teatral, Commedia dell’Arte, que nasceu no país por volta da metade do século 16 e duro até o final do século 18. Este tipo de teatro contava com a improvisação de personagens fixos, como o Arlequim, Colombina e outros.
A festa em Veneza trazia uma euforia única, um momento no qual os papéis sociais podiam ser ignorados e todos podiam abandonar a própria identidade. Por isso as máscaras eram tão importantes, pois davam aos venezianos a chance de serem quem quisessem pelo menos durante uma época do ano. Para os homens, havia a baùta, uma roupa que se assemelhava a um tipo de capa, cobrindo o corpo todo. Eles ocultavam o rosto com uma máscara branca triangular, com uma abertura que possibilitava comer e beber, mas sendo fechada o bastante até para alterar a voz!
Já as mulheres não tinham tanta sorte. A máscara feminina chamava-se moretta, sendo feita de veludo e com um formato oval. Para manter o item no lugar havia um botão que precisava ficar dentro da boca, então nada de comer, beber ou falar enquanto estivessem mascaradas.
E como sempre, toda liberdade vem com certos exageros, alguns aproveitavam as máscaras para cometer atos imorais, golpes e pequenas ações criminais, mas as autoridades encontravam uma forma de controlar tais situações. Em certa época, as máscaras passaram a ser proibidas durante o período da noite, em locais considerados sagrados e nas casas de jogo. Mas nos teatros, seu uso era obrigatório.
Os anos de 1700 foram a época de ouro do Carnaval para a Sereníssima. Eles marcaram o aparecimento de figuras muito famosas nas comemorações na cidade, como o escritor de comédias Carlo Goldoni e o icônico Giacomo Casanova, escritor, poeta e aventureiro misterioso.
Na época, os palácios nobres eram o palco para luxuosos bailes carnavalescos. Em seus jardins, aproveitando o anonimato, mascarados se envolviam em um jogo de sedução com as mulheres.
Casanova foi um dos maiores sedutores de Veneza, afirmando ter nascido para as mulheres e que a principal ocupação da sua vida era amá-las. Ele não utilizava estratégias ou técnicas de sedução, acreditando firmemente em se entregar ao momento e as suas paixões. Sua vida foi muito turbulenta, marcada por uma carreira eclesiástica que durou bem pouco, seu tempo como oficial militar, o tempo na prisão e até a vez que utilizou seus conhecimentos de medicina para salvar a vida de um nobre que nenhum médico conseguia tratar. Com muita emoção e aventuras, Giacomo viveu até seus 73 anos, o que lhe deu muito tempo para seduzir várias damas venezianas.
Já Goldoni é muito importante no cenário das artes, sendo considerado um dos maiores dramaturgos europeus e um dos escritores italianos mais famosos fora do país. Suas obras foram tão importantes que são apresentadas até hoje durante o Carnaval em Veneza, que é sua cidade natal.
O Carnaval é uma época de diversão, e para os naturalmente sérios e contidos venezianos, isso significava o momento para extravasar e aproveitar. Jogos eram organizados pela Compagnia della Calza, um tipo de associação que promovia pirâmides humanas, corridas, competições entre acrobatas, além de incentivar a presença de saltimbancos, músicos, mímicos e artistas de todo o tipo pelas ruas durante as festividades.
Porém, nem todas as brincadeiras eram livres de crueldade. A caça ao touro, que acontecia normalmente em Campo San Geremia e Campo San Polo, acabava com o animal decapitado como uma forma de exaltar os açougueiros, uma profissão que era considerada muito importante em Veneza.
Outra travessura famosa era o mattaccino, no qual foliões mascarados usavam um estilingue para arremessar ovos nas damas venezianas. Felizmente, os ovos eram esvaziados antes e preenchidos com água de rosa (imaginem lançar gemas e claras naqueles vestidos elaborados, ia ser um verdadeiro pesadelo!).
Além disso, moradores de bairros diferentes também competiam entre si para melhorar os ânimos. Um dos desafios mais famosos era o La Sfida dei pugni - basicamente o Desafio dos Socos - que acontecia na Ponte dei Pugni (Ponte dos Socos, um ótimo nome, não?). Dois grupos competiam aos socos para jogar seus adversários na água, em um espetáculo bem violento. Claro que não era tão difícil, já que as pontes naquela época não tinham parapeito.
A República de Veneza cai com a chegada de Napoleão em 1797. Esse fato histórico não marca só o fim do poder da Sereníssima, mas também transformou completamente a cidade. Temendo que o anonimato e da liberdade carnavalesca poderiam gerar golpes, Napoleão ordenou o fim das festividades, permitindo apenas comemorações em casas privadas e em algumas ilhas.
Essa situação perdurou por quase dois séculos, com o Carnaval sendo retomado em 1979, quando um grupo de cidadãos trouxe a celebração de volta saindo nas ruas com fantasias, máscaras e brincadeiras. A partir dessa data, as autoridades públicas voltaram a investir na festa, apoiando manifestações e celebrações. Com isso, os artesãos puderam retomar a produção dos luxuosos vestidos e fantasias da época de ouro, e a população pode curtir mais uma vez o clima carnavalesco, enchendo Veneza com música, dança e cores.
Atualmente, a festa em Veneza atrai foliões de todo o mundo, curiosos em fazer parte da festa ou simplesmente observar. Todo ano possui um tema, e os últimos focaram na valorização do passado, contemplado os ofícios e o artesanato. Durante os finais de semana, a Praça São Marcos fica abarrotada de pessoas vestidas a caráter, com algumas alugando e outras confeccionando as próprias fantasias, todas com muitos detalhes.
Em 2020, a programação oficial de Carnaval se iniciou no dia 8 de fevereiro e vai até o dia 25. O tema escolhido para este ano foi Amore, gioco e follia (traduzindo: amor, jogo e folia). Ele estará presente nos desfiles e no palco montado para o Carnaval na Praça São Marcos. Um dos grandes destaques será o evento surpresa na noite de São Valentim, acontecendo em 14 de fevereiro, o Dia dos Namorados de muitos países estrangeiros.
Mas existem eventos e tradições fixas, como o concurso da fantasia mais bonita e cortejo das Marias, que revive o período em que 12 moças belas e muito humildes da cidade recebiam joias como doação para usarem em seus casamentos. As moças venezianas vêm escolhidas até hoje para participar do concurso, mas infelizmente, sem as luxuosas joias de antigamente.
Outro acontecimento famoso é o Voo do Anjo, que abre oficialmente o Carnaval veneziano. O espetáculo começa na Praça São Marcos, com vestidos, máscaras e o desfile de grupos que relembram costumes históricos preciosos e refinados. No meio do dia acontece o momento mais esperado, a mulher mais bela de Veneza desce pendurada por uma corda do campanário de São Marcos, fazendo o seu voo. O anjo é escolhido entre as Marias do ano anterior, e a Praça se enche de pessoas que querem registrar este momento tão emocionante.
Viareggio fica na província de Lucca, a cerca de uma hora de Florença. A cidade surgiu no século 16 e é muito famosa por sua arquitetura e lindas praias, mas também pelo seu Carnaval, contando até com um museu dedicado inteiramente para o tema, o Museo del Carnevale.
O Carnaval lá começou em 1873, quando burgueses decidiram usar máscaras para se manifestas contra os impostos. O povo gostou tanto da ideia que decidiram repetir todos os anos, surgindo assim uma espécie de carnaval-protesto. Mais tarde, no final do século, carros triunfais passaram a ser utilizados. No começo, eles eram feitos de lona, mas o material foi substituído com o passar do tempo por papel-machê moldado.
O símbolo carnavalesco da cidade é o Burlamacco, cuja roupa é composta de um terno xadrez vermelho e branco, se assemelhando a um Arlequim. O nome se refere ao Buffalmacco, personagem retratado pelo escritor Giovanni Boccaccio no livro Decamerão.
As comemorações na cidade duram quatro semanas e contam todos os eventos culturais tipicamente italianos, como bailes de máscaras, espetáculos teatrais e festas pitorescas à noite, mas a estrela carnavalesca de Viareggio são seus carros alegóricos com as esculturas de papel-machê. E como a festa nasceu como uma manifestação, não é estranho que estes carros apresentem temas de cunho político e social, sempre com muita sátira e diversão. Essas belas e imponentes alegorias possuem um local especial para seu desfile, uma espécie de Sambódromo chamado Citadella de Carnevale (Cidade do Carnaval).
Talvez a festa mais cheirosa de todos os Carnavais italianos seja a desta cidade na província de Catânia, com carros transportando construções majestosas feitas com milhares de flores, e outros com figuras que possuem movimentos hidráulicos e mecânicos, iluminadas por lâmpadas coloridas.
É a comemoração carnavalesca mais antiga do país, começando em 1347, como uma forma de celebrar a reconciliação entre as famílias Cassero e Carignano, que pertenciam a facções inimigas. Atualmente, a festa é caracterizada pela distribuição de balas e outros doces entre os foliões.
Nesta cidade na província de Turim, a festa de Carnaval é voltada para as frutas, com laranjas maduras e suculentas substituindo os confetes. O evento mais famoso é a guerra das laranjas, que remonta a histórica luta do povo contra os barões, com foliões lançando as frutas contra carros alegóricos. Na Quarta-Feira de Cinzas, as celebrações terminam com a distribuição de polenta e bacalhau no bairro de Borghetto.
Nesta famosa cidade italiana, as festanças começam quando todas as outras já terminaram. Isso acontece porque no século 13, o bispo Ambrogio estava em peregrinação, e só chegou na cidade após o término do carnaval. O povo então decidiu prolongar as comemorações para depois da chegada do eclesiástico, atrasando os rituais da Quarta-Feira de Cinzas.
Nesta cidade na província de Matera, os animais são os grandes protagonistas. Homens e mulheres desfilam pelas ruas usando máscaras de touros e vacas, imitando o modo de andar dos bovinos e tocando campainhas das casas para pedir comida.