Artes/cultura
28/08/2020 às 15:00•3 min de leitura
Foi em 26 de janeiro de 1788 que a Primeira Frota chegou em Botany Bay, na Austrália, em 11 navios com 1,5 mil britânicos que viajaram durante 252 dias até desembarcarem em Port Jackson. Entre mulheres, homens e crianças, havia pequenos ladrões e outros condenados rejeitados pelos norte-americanos e enviados para estabelecerem uma colônia em uma terra ainda não habitada por eles.
No manifesto da Primeira Frota constavam 1 cavalo, 3 éguas, 3 potros, 2 touros, 5 vacas, 29 ovelhas, 19 cabras, 49 porcos, 18 perus, 29 gansos, 35 patos, 120 galinhas e 5 coelhos. Essa foi a primeira vez na história que coelhos foram colocados em solo australiano, e acredita-se que eles foram criados apenas por tempo suficiente para que fossem abatidos para consumo.
Em 1815, Thomas Austin nasceu em Somerset, na Inglaterra, sendo o filho mais novo de John e Nancy Austin. Foi em 1831 que ele chegou com a família em Hobart Town, a capital do estado insular da Tasmânia, na Austrália, onde ficou até se tornar um rico criador de ovelhas. Em 1837, com o irmão, ele cruzou o Estreito de Bass e se estabeleceu na costa norte de Port Phillip.
(Fonte: Curious Historian/Reprodução)
Na época, a Austrália não era um país unificado, por isso acredita-se que Austin tenha se mudado também para ajudar a alavancar a agricultura e a pecuária locais. Após construir uma mansão em Barwon Park em uma área de 30 mil acres para cultivar o seu gosto por animais, ele se juntou à Sociedade de Aclimatação de Victoria, que incentivava a introdução de espécies não nativas em vários lugares do mundo na esperança de que se adaptassem a um habitat que não o seu.
Além de gostar de animais, Austin era fascinado por caçar e dar luxuosas festas de tiro. Contudo, ele se recusava a usar qualquer espécie que havia se desenvolvido na Austrália nos últimos 70 anos. No início de dezembro de 1859, ele escreveu ao irmão pedindo que lhe enviasse 72 pássaros, 5 lebres e 24 coelhos selvagens ingleses.
Um navio chamado Lightning chegou à Austrália com os 24 coelhos prontos para reprodução. Com base nos princípios de aclimatização da sociedade da qual fazia parte, Austin soltou alguns na natureza, porque acreditava que a introdução deles não faria mal algum à sociedade e poderia até dar uma aparência mais convidativa para o país. Os habitantes apoiaram a ideia do homem, achando que poderia ser muito boa para a economia da época.
Mal sabiam eles.
(Fonte: Wrecksite/Reprodução)
A gestação de um coelho dura por volta de 30 dias, nascendo geralmente de 4 a 5 láparos por vez, podendo chegar a 9 em uma só ninhada. Após 10 meses, eles atingem a idade adulta e em 1 ano as fêmeas já podem reproduzir. Os animais têm tempo de vida estimado em 5 anos a 10 anos.
Com a rápida multiplicação dos animais, Austin foi premiado com uma medalha da Sociedade de Aclimatação pela introdução bem-sucedida dos coelhos na Austrália, e isso se tornou o seu legado. Em 1867, mais de 14 mil coelhos foram encontrados mortos na propriedade do homem, todos descendentes das primeiras dúzias que ele importou.
(Fonte: Australian Food Timeline/Reprodução)
Naquele mesmo ano, o Príncipe Alfred, o segundo filho da Rainha Vitória, ficou na mansão de Austin durante as férias. Em apenas 1 dia de caça, os dois homens executaram mais de 1 mil coelhos em cerca de 3 horas. No ano seguinte, o príncipe voltou e atirou em mais 1,5 mil animais. Até lá, as autoridades locais já estavam preocupadas com a população de coelhos, que não parava de crescer.
Austin faleceu em 1871, mas o seu legado de pelos continuou. Sem alguém para minimizar o crescimento dos coelhos, eles continuaram a destruir tudo. Plantações foram dizimadas pelos animais e não podiam ser recuperar tampouco gerar lucros, visto que os bichos se reproduziam no inverno ameno e comiam ainda mais. Espécies de plantas foram destruídas e árvores morreram de tanto que as criaturas arrancavam lascas das cascas. O gado, as ovelhas e outros animais nativos pereceram sem ter o que comer.
O governo ofereceu recompensas em dinheiro para qualquer pessoa que encontrasse um método bem-sucedido de exterminar os coelhos. Mais de 1 mil sugestões foram enviadas, porém a maioria envolvia o uso de venenos e métodos de abate generalizado que eram inseguros ou ineficazes no longo prazo. Furões e gatos selvagens foram usados como predadores, porém sem muito sucesso.
(Fonte: The Vintage News/Reprodução)
Só em 1901 o governo australiano aprovou a ideia de construir uma cerca com pouco mais de 1 metro de altura feita de madeira ou ferro, coberta com arame farpado e uma rede de arame com 15 centímetros de profundidade, estendendo-se da Nova Gales do Sul até o sul da Austrália por quase 550 quilômetros. O objetivo era impedir que os animais se espalhassem para os territórios ocidentais e tornasse mais fácil a tarefa de exterminá-los. Duas estruturas foram construídas, resultando em mais de 1 mil quilômetros de contenção.
O projeto demorou 7 anos para ficar pronto, no entanto o enorme empreendimento se revelou impossível de ser mantido e logo acabou se tornando ineficaz contra os animais. Ao longo dos anos, a população de coelhos causou danos irrecuperáveis para a pecuária, a economia geral e o ecossistema da Austrália. Só a indústria agrícola perdeu bilhões de dólares com os efeitos diretos e indiretos da infestação. Espécies de árvores e plantas, como a eremófila, foram extintas.
No fim das contas, o legado de Thomas Austin e seu lazer de caça que começou com 24 coelhos resultou em 2,5 milhões de milhas quadradas habitadas por esses animais na Austrália, com uma população de cerca de 200 milhões e mais de 150 anos de prejuízos ecológicos.