Ciência
15/02/2021 às 05:22•3 min de leitura
Antes de falar sobre a Torre de Babel, é importante um esclarecimento sobre os mitos, pois simplesmente dizer que esse monumento é só um mito de origem constitui uma definição muito reducionista de um conceito que, por séculos, explicou um fenômeno muito caro à sociedade humana, que é a pluralidade das línguas faladas.
Os mitos de origem, assim como os cosmogônicos (que explicam o surgimento do Universo), são formas encontradas pelos povos antigos para explicar a sua realidade ou, no caso, a origem de uma tradição. Mitos não são fantasias, mas também não são verdades científicas.
A Torre de Babel sempre foi um tema misterioso que habitou o imaginário tanto dos que acham que mitos são reais quanto dos cientistas, estes não no sentido de negar a existência do monumento, mas de pesquisar evidências históricas relacionadas à construção histórica, como o templo de Marduk (ou Babel) ao sul da antiga Mesopotâmia.
Os que defendem a existência factual da Torre de Babel, como o Dr. Douglas Petrovich, da Universidade de Toronto no Canadá, especulam que o monumento bíblico possa estar relacionado com o zigurate de Etemenanki. O zigurate era um tipo de construção arquitetônica de caráter religioso, datada entre o quarto milênio a.C. e o século VII a. C.
Essas edificações apresentam algumas similaridades com as pirâmides egípcias e eram erigidas por meio de fiadas de tijolos dispostos de maneira a estruturar um conjunto de degraus, que levavam até um templo construído no topo do edifício. Um desses templos, o de Marduk, foi reconstruído pelo rei Nabucodonosor II e pelo seu pai Nabopolassar, no século VII a. C., na Babilônia.
Em entrevista à Smithsonian Magazine, o professor da Universidade de Londres Andrew George fala de um estudo realizado em 2017, sobre uma pedra encontrada na antiga Babilônia (hoje Iraque) há mais de 100 anos e que, teoricamente, poderia comprovar a existência da Torre de Babel.
No referido objeto, há o desenho de uma torre com degraus e, ao lado, uma pessoa usando um chapéu em forma de cone segurando uma lança. Abaixo há uma inscrição que, segundo George, diz: “zigurate“. Datada do século VI a.C., a pedra revela detalhes da construção da estrutura, situando-a no reinado do imperador Nabucodonosor II.
Muitos detalhes escritos na rocha confirmam os relatos bíblicos. O Antigo Testamento afirma, em Gênesis 10, que depois do Dilúvio, diferentes grupos de pessoas se dispersaram pelo mundo, com origem nas três linhagens dos filhos de Noé, ou seja, foram divididos em línguas, clãs e nações.
Mais adiante, no entanto, Moisés explica em uma Tabela das Nações que: “agora, toda a terra tinha uma língua e as mesmas palavras. E como as pessoas migraram do leste, eles encontraram uma planície na terra de Shinar e se estabeleceram lá”. (Gênesis 10: 32-11: 2).
Analisando essas passagens bíblicas, Petrovich observa que a palavra “Shinar” é o equivalente hebraico do termo acadiano “Shumer”, que os historiadores atuais chamam de “Suméria”. Nessa passagem, após falar da dispersão, Moisés retorna na história para explicar como as diferentes línguas se formaram, um estilo narrativo característico dos textos hebraicos.
Doug Petrovich afirma, com base em Gênesis 10, que após o evento diluviano, diversos agrupamentos humanos começaram a se espalhar gradualmente pela face da terra. Essas pessoas viviam em pequenos comunidades, com baixo desenvolvimento tecnológico, o que é visível nos registros arqueológicos existentes.
Gênesis 11, porém, revela um evento tecnológico para o arqueólogo, quando um grupo de pessoas muda-se para as planícies de Shinar e começa a construir a primeira grande metrópole. Conforme o relato de Moisés, esse é um povo orgulhoso, capaz de organizar uma comunidade urbana cujo potencial tecnológico permitiria construir um edifício com “seu topo nos céus”, em uma clara afronta a Deus.
Como consequência desse orgulho, Deus os pune confundindo suas linguagens e os dispersando pela terra. Novamente, o registro arqueológico revela que esses habitantes, em determinado momento, passaram a construir novas comunidades em regiões menos desenvolvidas, invadiram outras já existentes ou mudaram-se para cidades maiores onde passaram a viver em áreas separadas (bairros?).
O trabalho de tentar sincronizar os achados arqueológicos com os relatos bíblicos é um campo ainda pouco explorado, com carência de pesquisadores dispostos a encarar a tarefa com um espírito verdadeiramente científico. Além disso, há vários desafios a conciliar, como os diferentes métodos de datação, novas ferramentas de pesquisa arqueológica, diferentes tradições cronológicas e traduções bíblicas distintas.