Artes/cultura
01/04/2021 às 12:00•3 min de leitura
Nas últimas décadas, a ficção científica foi o gênero artístico que mais se reinventou no meio cultural, trazendo sua proposta imaginativa para diversas histórias e ganhando novas categorias em livros, quadrinhos e no segmento audiovisual. A capacidade de desprender da realidade e de ensinar sobre o universo de uma forma sensorial acabou fazendo com que a "literatura das ideias" criasse uma base de fãs enorme, surgindo sempre como grande aposta de criadores.
Apesar de o termo "ficção científica" ser relativamente novo, visto que sua origem remonta ao final do século XIX a partir de nomes como Robert Louis Stevenson (1850-1894), Júlio Verne (1828-1905) e H.G. Wells (1866-1946), sua história é muito mais antiga, sendo preciso retornar ao período das grandes descobertas sobre a física e astronomia para entender como os principais conceitos foram formulados.
No início do século XVII, o mundo não conhecia distinções claras entre a astronomia e a astrologia, e as pessoas ainda acreditavam que o sol girava em torno da Terra a cada 24 horas, colocado em movimento circular perfeito por um criador onipotente e maior do que a própria natureza. Até então, a religião era vista como uma doutrina separada da científica, e combatia firmemente alguns poucos observadores que propunham que a translação da Terra ocorria de forma perfeitamente circular.
(Fonte: Wikipedia / Reprodução)
Nessa briga de ideias e crenças, eis que surge o astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler (1571-1630), que estabeleceu a ideia da "física celeste" ao unir razão e fé em uma única proposta, dando início às bases da física clássica. Motivado pela curiosidade e pela ânsia da descoberta, a figura-chave da revolução científica foi pouco a pouco alterando a compreensão da realidade, dando contornos inimagináveis para um universo inexplorado, mas incrivelmente infinito e repleto de possibilidades.
Kepler foi um dos maiores divulgadores científicos da história, e sua bibliografia não conta apenas com teses e defesas do sistema copernicano, mas com obras visionárias que marcaram sua época e todo o universo científico que viria depois. Aos 22 anos, escreveu uma dissertação sobre a Lua defendendo os movimentos de rotação e translação terrestres, embasando o conceito de "órbita" e quebrando a ideia dela ser circular.
(Fonte: Wikipedia / Reprodução)
A partir daí, o matemático viu sua vida sofrer uma grande reviravolta. Explorador do mundo, Kepler pôde observar diversos fatos que modificaram suas concepções sobre a vida, mas nada alterou tanto seu curso quanto o advento da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que trouxe impactos severos para seu ofício e sua família.
A guerra religiosa mais mortal da história do continente europeu fez com que Kepler fugisse de Graz, na Áustria, mas sem antes perder seu filho. Posteriormente, obteve emprego como matemático real na corte do Imperador Rudolph II, em Praga, mas acabou vendo seu líder e sua esposa morrerem logo em seguida, resultando em uma vida desintegrada que deixou apenas os sonhos. E foram esses sonhos que levaram Kepler a seguir em frente.
Entre 1609 e 1611, Johannes Kepler escreveria o que logo seria considerada a primeira obra de ficção científica já publicada. Diferente de todos os seus escritos anteriores, o livro autobiográfico e fantasticamente imaginado Somnium (Sonho, em tradução livre) narraria a história de um aluno de Tycho Brahe — proeminente astrônomo dinamarquês da Boêmia — que é misteriosamente transportado até a Lua por forças ocultas.
(Fonte: Wikipedia / Reprodução)
Rico tanto na engenhosidade científica quanto no jogo simbólico, o livro rapidamente tornou-se referência nas áreas científicas e romancistas, virando referência futura para os renomados autores Carl Sagan e Isaac Asimov, que consideraram a obra como a primeira narrativa de ficção científica já publicada. Visionário, o livro foi publicado muito antes de Kepler ter observado em um telescópio, e já detalhava o espaço de uma forma única, chegando a citar "velas ou navios aptos a sobreviver às brisas celestiais".
A antecipação imaginativa e preditiva de uma realidade chamou a atenção anos depois, quando o físico Isaac Newton utilizou as bases estabelecidas pelas três leis do movimento planetário de Kepler para fundamentar as Leis Gravitacionais. E, segundo a "geografia lunar" escrita pelo matemático em Somnium, a ideia era exatamente essa: despertar suavemente as pessoas para as lógicas do sistema heliocêntrico.
Através da ciência, Kepler se projetou em um esforço sem precedentes para entender como a natureza determina o movimento dos planetas, demonstrando, por meio da trigonometria, que os corpos celestes se movem em órbitas elípticas. Seu sonho da Terra estar de fato em movimento foi o que revolucionou completamente os estudos na área, reinterpretando uma história que decretaria o nascimento da ficção científica como é conhecida hoje, e que permitiria que o gênero fosse explorado das mais diversas formas sem que perca suas origens e propostas.