Ciência
24/08/2021 às 09:30•2 min de leitura
Em 1614, durante as fundações portuguesas no Brasil colonial, o índio tupinambá Tibira do Maranhão foi executado por um tiro de canhão sob ordens de religiosos da Igreja Católica, em um evento dramático que registraria a primeira morte por homofobia no país. Sua história inspirou, então, grupos de todas as camadas e áreas sociais, que hoje clamam por justiça e sugerem a canonização da vítima.
Segundo o sociólogo e antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia e fundador da organização não governamental (Ong) Grupo Gay da Bahia, o Tibira — denominação indígena utilizada para se referir a um homossexual — fugiu de suas terras ao saber que era alvo de religiosos franceses, que caçavam seus semelhantes com a justificativa de "purificar a terra de suas maldades por meio da santidade do Evangelho, da candura, da pureza e da clareza da religião Católica Apostólica Romana".
(Fonte: Wikimedia Commons / Reprodução)
As tentativas de escapar foram em vão, e o índio foi capturado, sendo imediatamente amarrado e levado como refém para o forte de São Luís. Lá, ele foi vítima de torturas e exibições públicas, quando serviu de lição para os chefes de outras aldeias e membros de tribos, que foram forçados a assistir ao assassinato e testemunharem tanto a seriedade quanto a rigorosidade dos atos religiosos. Ao ter sua morte decretada, Tibira disse: "Estou morto, e bem o mereço, porém desejo que igual fim tenham os meus cúmplices".
Um canhão o esperava após seu batismo, realizado logo quando a sentença de morte foi decretada. Na presença de franceses e indígenas, o tupinambá foi preso na boca da arma e a bala foi imediatamente lançada, dividindo o corpo do jovem em duas partes e jogando uma delas ao mar, onde desapareceu pela eternidade.
Assim como Tibira, os tupinambás foram alvos prioritários dos capuchinhos franceses, que já conheciam sua "diversidade sexual e lascívia exacerbada dos ameríndios" mesmo antes de pisarem em terras brasileiras. Dessa forma, a igreja católica já administrou planos de purificação, resgate e aliança com nativos, em que índios seriam batizados e teriam a oportunidade de "ir direto para o céu".
(Fonte: Memórias LGBT - Luiz Mott / Reprodução)
Essa primeira etapa da canonização estimulou grupos LGBT e ativistas a exigir uma qualificação santificada, como uma iniciativa pela defesa dos direitos dos homossexuais e como forma de estampar na memória do país o mais brutal evento de homofobia já registrado no período pré-federação.
A ação já conta com o apoio, também, de católicos e camadas da igreja, que veem a canonização como uma positiva provocação para ajudar na sensibilização de acolhimento e acreditam na possibilidade de algo concreto ser aceito pelo Vaticano, já que o papa pode elevar um candidato à dignidade de santo sem a necessidade de comprovação de milagres.
"Muitos já estão revendo e corrigindo ou apagando seus preconceitos contra os gays. A oportunidade de acolhimento a todos os cristãos independe de sua orientação sexual. Pelo relato que descreve o suplício de São Tibira, ele foi batizado pelos seus algozes antes de morrer. Então ele morreu cristão, reunindo as condições necessárias para sua canonização ou proclamação de santidade", esclareceu o historiador Sérgio Muricy, primeiro religioso a reconhecer a santidade de Tibira.