Dilúvio do Mar Negro teria inspirado a narrativa bíblica de Noé

10/10/2021 às 08:003 min de leitura

Publicado em 1998, o livro Noah's Flood:The New Scientific Discoveries About the Event that Changed History, dos geólogos William Ryan e Walter Pitman, da Universidade de Colúmbia, expôs ao mundo a teoria do Dilúvio do Mar Negro,  que, provavelmente, teria sido usada para apoiar a crença bíblica do dilúvio de Noé. Tudo partiu do princípio de que os geólogos encontraram uma antiga linha costeira e dunas totalmente preservadas a uma profundidade de 155 metros, indicando que houve uma inundação há milhares de anos.

A obra traz evidências de que houve o rompimento de um suposto istmo de Bósforo (um estreito que conecta o mar Negro ao de Mármara, cercando o limite dos continentes asiáticos e europeu) no ano de 5600 a.C. Naquela época, ocorreu no nordeste da Europa o derretimento das camadas de gelo da última glaciação, que supostamente se transformou nos mares Negro e Cáspio, em lagos de água doce e salobra, conforme o nível da bacia mediterrânica permanecia bem abaixo das cotas atuais.

(Fonte: Woods Hole Oceanographic Institution/Reprodução)(Fonte: Woods Hole Oceanographic Institution/Reprodução)

Com o avanço do degelo, os cursos de água que alimentavam o Mar Negro teriam mudado de direção e encontrado a Bacia Atlântica pelo Mar Báltico ou o do Norte, cuja consequência direta teria sido um déficit na alimentação do Mar Negro, fazendo seu nível regredir e levar à perda da ligação com o mar Cáspio — se esta de fato existiu.

Portanto, com o recuo do Mar Negro surgiu uma depressão em que civilizações, como a indo-europeia dos Curganos, teriam-se assentado. O degelo, no entanto, em benefício do Atlântico, elevou o nível do Mediterrâneo e do Egeu, que absorveram as águas doces de regiões costeiras da Anatólia e da Grécia. 

Finalmente, no fim do 6° milênio a.C., o nível dos dois mares subiram muito, e a pressão do Mediterrâneo forçou o rompimento do antigo istmo de Bósforo, provocando uma cascata de água salgada que inundou os 155 mil quilômetros da antiga depressão do Mar Negro, causando o famoso dilúvio.

A primeira tese      

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

No entanto, desde a data da publicação da pesquisa de Ryan e Pitman, surgiram diversos estudiosos para contestar as sugestões feitas. Segundo um artigo da Science, as lendas na Ilha de Samotrácia, no mar Egeu, afirmam que o Mar Negro o inundou apenas com água doce. Os escritores, por outro lado, consideraram que os ilhéus não tenham entendido muito bem de onde veio toda a água — apesar de ser algo difícil de acreditar.

O que embasa as crenças dos ilhéus seria que o rápido derretimento das calotas polares, no final da Idade do Gelo, pode ter trazido muita água do norte para o Mar Negro através dos rios Don, Dnieper e Dniester; acontecendo, primeiro, uma inundação de água doce. Esse alagamento teria feito seu caminho para o sul, em direção aos mares Egeu e Mediterrâneo, por meio de um rio que corria de norte a sul.

(Fonte: ScienceDirect/Reprodução)(Fonte: ScienceDirect/Reprodução)

Com o tempo, o derretimento acelerado das calotas polares teria aumentado o nível do Atlântico, inundando com água salgada o Mar Mediterrâneo, depois o Egeu e, só então, o Negro. Essas cheias teriam alargado o leito do rio, o que seria o atual Bósforo. 

A existência de inundações de águas doce e salgada é sustentada pelo atual equilíbrio comprometido no Bósforo, cuja água próxima à superfície é duas vezes menos salgada e corre do mar Negro ao Egeu. Porém, abaixo de 15 metros, a água salgada corre na direção oposta ao Egeu, e o Mediterrâneo ao mar Negro.

A professora de Geologia Valentina Yanko-Hombach, da Universidade de Odessa, na Ucrânia, alegou em sua pesquisa que o fluxo contínuo de água através do Bósforo mudou de direção no tempo geológico e não aconteceu por um desastre de ruptura repentina, como sustentam Ryan e Pitman.

A segunda tese

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Em 1999, o cientista Robert Ballard, responsável por descobrir os destroços do Titanic, liderou uma expedição para encontrar vestígios de estruturas feitas pelo homem no fundo do Mar Negro, no sudeste da Europa. Os moluscos e uma linha costeira antiga indicaram que o mar de água salgada já foi um lago de água doce, sustentando a teoria do dilúvio do Mar Negro, que teria inspirado a história dos 40 dias e noites de chuva que levou à criação da Arca de Noé.

Conforme os dados e evidências apontados pelo Woods Hole Oceanographic Institution, em 2009, a hipótese do dilúvio minimizou as descobertas feitas por Ryan e Pitman, em 1998. A pesquisa indica que, há 9,4 mil anos, a última Idade do Gelo teria diminuído e depositado enormes quantidades de neve e gelo derretidos nos oceanos da Terra, fazendo o Mediterrâneo transbordar da barragem natural e cair no Mar Negro, criando uma grande inundação.

(Fonte: National Geographic/Reprodução)(Fonte: National Geographic/Reprodução)

Entretanto, os cientistas, dessa vez, acreditam que as essas linhas costeiras antigas são, na verdade, dunas erodidas naturalmente. As estimativas atuais colocam os níveis originais da água do Mar Negro entre 5 e 32 metros mais baixos do que antes da inundação.

Para medir com mais precisão as mudanças de água doce em água salgada no Mar Negro, foi feita outra análise dos moluscos encontrados no sedimento. Em 2007, apenas os moluscos bivalves (que ainda têm conchas presas) eram datados, significando que não foram perturbados por movimentos das ondas ou erosão após a morte. 

Esse resultado validou a teoria mais modesta do dilúvio, que trouxe grandes implicações para a Europa e Ásia antigas.

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