Estilo de vida
17/10/2021 às 09:00•3 min de leitura
Como se não fosse o suficiente o Estudo da Sífilis Não Tratada realizada em cidadãos negros de Tuskegee pelo Serviço Público de Saúde dos Estados Unidos ter sido um escândalo demoníaco no quesito de má conduta científica, as autoridades americanas foram ainda mais longe.
Em 2011, a Agência Central de Inteligência (CIA) desenvolveu um plano para poder capturar o famoso terrorista jihadista Osama bin Laden (1957-2011): um programa de vacinação falso contra a hepatite B no Paquistão.
Muito embora a operação não tenha saído como planejado, foi o suficiente para causar a desconfiança dos profissionais de saúde que administravam doses da vacina contra poliomielite, causando um transtorno enorme na saúde do país.
(Fonte: Alchetron/Reprodução)
Durante a década de 1990 e início dos anos 2000, o dr. Shakil Afridi trabalhou como oficial sênior de saúde na província de Khyber Pakhtunkhwa, no Paquistão, mas acabou sendo sequestrado e resgatado apenas em 2008. Logo em seguida, ele e sua família deixaram o país e seguiram para a Califórnia, onde também não ficaram por muito tempo, devido à licença médica de Afridi não ser considerada válida em solo norte-americano.
Ao retornar ao Paquistão, o médico participou de um evento organizado pela instituição de caridade Save the Children, e foi lá que ele conheceu uma mulher norte-americana que se identificou como Kate. Em janeiro de 2011, Afridi foi convidado por ela para iniciar uma campanha de vacinação contra hepatite B na região de Abbottabad — local onde Bin Laden morreria, em 2 de maio daquele ano.
O objetivo escuso da campanha era coletar DNA dos cidadãos do bairro Bilal Town, subúrbio da cidade, onde a inteligência americana acreditava que o terrorista estava escondido. Depois que as agulhas usadas fossem coletadas para descarte, os manipuladores da CIA fariam o teste nelas para ver se alguma das crianças vacinadas era parente de Bin Laden.
(Fonte: DW/Reprodução)
Em março, Afridi chegou na cidade alegando ter fundos para fornecer gratuitamente as vacinas. Com autorização do governo, ele colocou cartazes anunciando a campanha por toda Abbottabad, e começou a vacinar falsamente em Nawa Sher, um dos locais mais pobres.
A vacina deve ser administrada ao longo de três doses para garantir a total imunização, porém, depois da primeira, o grupo que incluía o médico e algumas enfermeiras, mudavam de local e não voltavam mais. Em abril, a parada foi em Waziristan Kothi, em Bilal Town, uma casa de três andares onde a CIA acreditava que o terrorista se escondia.
No entanto, um mês depois, Bin Laden foi morto pelos SEALs Marinha dos EUA durante um ataque. Três semanas mais tarde, Afridi foi preso pela Inter-Services Intelligence do Paquistão por seu papel na campanha de vacinação falsa.
(Fonte: Anadoly Agency/Reprodução)
De acordo com uma matéria do National Geographic, Afridi afirmou durante seu depoimento que não suspeitava que seu empregador tivesse outro motivo para lançar uma campanha de vacinação na cidade, além dos cuidados de saúde e pesquisa.
Em 23 de maio de 2012, o médico foi condenado a 33 anos de prisão por traição e ajuda na violação da soberania paquistanesa. Nos EUA, Afridi foi considerado uma espécie de herói, mas visto como um traidor em seu país. Um ano após a condenação, ele teve sua sentença anulada e um novo julgamento foi ordenado. Em retaliação, os EUA cortaram a ajuda do Paquistão em US$ 33 milhões, US$ 1 milhão para cada ano da sentença de prisão ao médico.
(Fonte: ABC News/Reprodução)
Enquanto as autoridades paquistanesas e americanas discutiam esses aspectos, a notícia da falsa campanha de vacinação se espalhou pelo Paquistão, fazendo com que milhares de pessoas se recusassem a vacinar, causando uma “onda” de casos de poliomielite. Muitas pessoas alegavam que os imunizantes “faziam parte de uma conspiração ocidental para esterilizar os muçulmanos paquistaneses”.
No final das contas, a má conduta deliberada da CIA tornou ainda mais difícil administrar vacinas no país. Conforme a BBC relatou, a partir de 2020, o Paquistão e o Afeganistão se tornaram os dois últimos países onde a poliomielite ainda é um caso de pandemia.
Em 2014, após anos da repercussão, a CIA se pronunciou dizendo que “jamais usaria programas de vacinação como cobertura para operações de espionagem”.