A jornada do esqueleto usado como propaganda soviética e nazista

20/11/2021 às 12:003 min de leitura

Foi em meados de 1928 que o arqueólogo ucraniano Ivan Borkovsky, na época um exilado da guerra civil da União Soviética e um mero assistente do chefe de arqueologia do Museu Nacional de Praga, desenterrou os restos mortais de um guerreiro do século X encontrado no Castelo de Praga, na capital da Tchéquia.

O esqueleto foi descoberto deitado, com a cabeça levemente inclinada para a esquerda e a mão direita apoiada em uma espada de ferro. Em sua mão esquerda, um par de facas, com os dedos esqueléticos esticados como se fossem tocá-los. Foi identificado em seu cotovelo o que poderia ter sido uma navalha ou uma espécie de isqueiro medieval, um símbolo de status. Aos seus pés, foram encontrados a cabeça de um machado de ferro e os restos de um pequeno balde de madeira, muito semelhante aos usados pelos vikings como recipientes cerimoniais para beber.

A conturbada saga do que sobrou de um guerreiro de mil anos começou quando Borkovsky foi impedido de liderar os estudos para inspecioná-lo, abrindo margem para que sua existência virasse peça de propaganda.

Uma jornada de apropriação

(Fonte: BBC/Reprodução)(Fonte: BBC/Reprodução)

Uma vez que o arqueólogo foi impedido pelos soviéticos de publicar suas próprias conclusões sobre a descoberta, quando os nazistas ocuparam Praga em 1939, pouco depois de estourar a Segunda Guerra Mundial na Europa, Adolf Hitler rapidamente se apossou do esqueleto e concedeu uma suposta origem viking a ele — o que encaixava perfeitamente na narrativa de pureza racial alemã e resgate das origens germânicas.

De todo modo, os vikings foram nórdicos, portanto germânicos. E isso apenas fomentou a obsessão nazista, tornando o esqueleto em uma peça útil de propaganda para fortalecer o conceito de eugenia de Hitler, endossando o discurso de que os alemães estavam apenas "reocupando" um território histórico que era deles por direito.

Por isso, Borkovsky foi recrutado para servir ao Partido Nazista sob a ameaça de ser despachado para um campo de concentração. Todo o seu trabalho sobre o esqueleto foi meticulosamente editado pelo mais alto escalão do partido para que houvesse justificativas plausíveis para reivindicações históricas alemãs.

(Fonte: Czech Archaeology News/Reprodução)(Fonte: Czech Archaeology News/Reprodução)

Com o fim da guerra, foi a vez de os soviéticos colocarem as mãos no trabalho do arqueólogo, que novamente se viu forçado a dizer que inventou todo o conceito viking para poder sobreviver à opressão nazista — o que não era nenhuma mentira. No entanto, sua fala serviu apenas para que os soviéticos pudessem fazer seu trabalho de edição sobre o esqueleto.

As autoridades demandaram mais alterações nos estudos feitos, destacando que o guerreiro encontrado foi visto como de um viking apenas depois da edição feita pelos nazistas. Ele foi forçado a adotar a teoria de seu antigo chefe, que afirmava que o esqueleto pertencia a um membro da dinastia Slav Premyslid, que governou a Boêmia por mais de 400 anos.

Ciência neutra

Jan Frolik. (Fonte: BBC/Reprodução)Jan Frolik. (Fonte: BBC/Reprodução)

Atualmente, os estudos são conduzidos por Jan Frolik, arqueólogo medievalista da Academia Tcheca de Ciências, que buscou se afastar das conclusões confusas do passado feitas por soviéticos e nazistas.

Quando realizou uma análise de isótopos radioativos de estrôncio nos dentes que restaram no corpo, o pesquisador descobriu que o esqueleto não pertence a um guerreiro nascido na Boêmia. Na verdade, as origens dele estão no norte da Europa, em algum lugar no Mar Báltico ou na Dinamarca. Contudo, isso não significa exatamente que ele não fosse um viking.

Frolik sustenta a teoria de que o guerreiro tenha vindo do norte e morrido de causas desconhecidas aos 50 anos, após visitar Praga para servir Borivoj I, o primeiro duque da Boêmia e o progenitor da dinastia Premyslid, ou seu primogênito e sucessor, Spytihnev I.

A espada encontrada com o guerreiro foi o que mais chamou a atenção dos escavadores da época e fomentou mais especulações sobre sua origem; para Frolik, há uma grande possibilidade que ela tenha sido fabricada na Europa Ocidental, sustentando a teoria viking.

"A maioria de seus equipamentos é viking ou, pelo menos, semelhante aos usados pelos vikings. Mas sua nacionalidade ainda é uma questão aberta", disse o arqueólogo em entrevista à BBC, sobre a relação dos objetos com os guerreiros nórdicos.

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