Estilo de vida
25/11/2021 às 02:00•3 min de leitura
Abi Ahmed, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2019 e atual primeiro-ministro da Etiópia, está por trás de uma das guerras civis mais sangrentas da África. Entre os eventos das últimas semanas estão os intensos ataques militares contra Tigray e o partido que governa a região, a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPFL).
Desde que assumiu o cargo em 2018, Ahmed se posicionou como um político pacifista e reformador. O Nobel da Paz que ganhou em 2019 foi por conseguir fechar o tão sonhado acordo de paz entre a Etiópia e a Eritreia, após 20 anos de conflitos na fronteira.
Abiy Ahmed. (Fonte: AFP/ BBC/Reprodução)
Mas, em menos de três anos, Ahmed, que prometia inclusão e transparência em seu governo, apoio às liberdades e reformas institucionais, decidiu deixar a diplomacia de lado e declarar guerra contra um governo regional para resolver questões políticas e ideológicas.
Os embates atuais na Etiópia tem uma relação direta com a guerra civil de 1991. Nessa época, a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF), uma coalizão constituída por quatro partidos, também chamada TPFL, conseguiu obter o controle do governo do país após derrubar o Derg, uma junta militar que governou o país de 1974 a 1991.
O TPFL, historicamente, sempre foi dominado pelo povo de etnia Tigrayan. Contudo, os dois maiores partidos étnicos do país são os Oromos (35%) e os Amharas (27%). Dessa forma, especialistas apontam que o conflito entre o primeiro-ministro e governos regionais, além da política, tem um enraizamento étnico muito grande, sendo quase impossível haver uma desvinculação.
A coalização da TPFL manteve o domínio do governo etíope por 27 anos. Extensos registros de abusos aos direitos humanos, repressão, bem como prisão de jornalistas e líderes da oposição se tornaram marca registrada desse período.
Ahmed pede aos civis que se juntem à guerra de Tigray. (Fonte: Getty Images/BBC/Reprodução)
Os esforços de Ahmed na tentativa de reestabelecer os laços com a Eritreia, e sua consequente chegada ao poder em um complexo e tenso processo de transição, terminou por isolar ainda mais a TPFL.
O primeiro-ministro prometeu que prenderia todos os criminosos do governo de Tigray e que os levaria a julgamentos pelos crimes cometidos. Contudo, o que se viu foi o aumento exponencial de relatórios tenebrosos sobre estupros, violação dos direitos humanos e assassinatos praticados pelas forças militares sob suas ordens.
Segundo analistas, a inabilidade e completo fracasso de Ahmed em conseguir navegar pelas águas profundas das divisões étnicas que assolaram o segundo maior país em população da África, é uma das principais razões do problema.
Agora, devido às tensões e denúncias de crimes, a Etiópia foi isolada pela Europa e EUA, o que aumenta as incertezas sobre o que está por vir.
As regiões de Afar e Amhara parecem estar cada vez mais ameaçadas pelo governo de Ahmed. (Fonte: BBC/Reprodução)
Wolbert Smidt, historiador etíope que atua há décadas nas universidades do país, chama atenção para o comportamento do ocidente, mais precisamente, para a ingenuidade com a qual olharam Abi Ahmed. Para Smidt, políticos ocidentais parecem gostar de líderes africanos que tenham uma narrativa simples para os complexos problemas de seus países.
Ele também diz que, Ahmed, com relativo apoio ocidental, “se elevou acima das leis e instituições que eram capazes de garantir um equilíbrio precário entre os muitos grupos rivais”. Por isso, há quem diga que o Nobel da Paz serviu apenas para estimular e dar segurança para o Ahmed fazer o que está fazendo.
Também é preciso considerar que muitas das reformas e ações realizadas nos últimos tempos, não resultaram das decisões ou diplomacia de Abi Ahmed, mas sim, da coalização governista que liderava o país. Por exemplo, ele era frequentemente elogiado pela libertação de presos políticos, no entanto, foi seu antecessor quem deu início a ação.
As tensões ficaram ainda piores depois que os Tigrayans realizaram as eleições regionais indo contra as diretrizes de Addis Abeba, em um desafio direto ao governo. Ahmed ficou tão incomodado com isso que convidou o ditador da Eritreia para enviar suas tropas para ajudar na invasão à região de Tigray.
A partir daí, Tigray passou a ser o centro de uma guerra brutal. Há relatos de que o estupro e a fome estão sendo amplamente usados como arma de guerra, especialmente pelos soldados da Eritreia, os mais novos aliados de Ahmed.
Desde o mês de julho deste ano, o primeiro-ministro bloqueia a chegada de ajuda para a região. As estimativas apontam que entre 400 e 900 mil pessoas estão passando fome, e quase toda a população está dependendo da chegada de ajuda externa. Além disso, os Tigrayans estão sendo perseguidos e atacados em qualquer região do país.
As consequências da crescente instabilidade na Etiópia vão muito além de Tigray. Nos últimos três meses, centenas de pessoas foram mortas violentamente com base na identidade étnica em Benishangul, Oromia e na região sul do país. Além disso, milhares estão fugindo para o Sudão que, por sua vez, já tem seus próprios problemas internos.
Membros da Força Especial de Amhara retornam à base militar da 5ª divisão mecanizada de Dansha após lutar contra a TPLF, em Danasha, região de Amhara. (Fonte: REUTERS/Tiksa Negeri/Reprodução)
Em uma escala ainda maior, tudo isso pode acabar com qualquer possibilidade de o Chifre da África e a região do Mar Vermelho se moverem para além de décadas de conflito cíclico em direção à estabilidade e integração.