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06/12/2021 às 12:00•3 min de leitura
Se você pensa que o papa usa aquelas roupas bem-características de sua função para causar um efeito dramático para as pessoas, passar imagem de imponência ou apenas porque ele acha maneiro, está completamente enganado.
Guarnição de arminho, capas de cetim, anéis de ouro, sapatos vermelhos, batinas brancas e estolas bordadas. O que parece ser uma lista de acessórios extravagantes e de gosto duvidoso para algumas pessoas tem uma função bem mais complexa: não é somente o vestuário que importa, mas quem veste e quando veste.
(Fonte: Shutterstock)
Em tempos de transição, por exemplo, quando morre um papa e outro é eleito, testemunhamos o relaxamento de algumas normas anteriores e o estabelecimento de novas com relação às vestes sacerdotais. Porém, isso é um desafio para a Igreja, especialmente porque cada mínimo detalhe pode impactar na mensagem passada para os mais de 1,3 bilhões de fiéis católicos.
As vestes dos prelados católicos sempre foram carregadas de simbolismo e impregnadas de significado, algo que se tornou ainda mais evidente a partir do século V. De forma simples, as roupas usadas pelo papa envolvem uma linguagem estrutural, histórica e teológica.
Esse código de vestimenta — que inclui tudo, desde a mozzeta (a capa curta que cobre os ombros, parte dos braços e das costas) até a cor dos sapatos — visa ajudar em uma espécie de dialeto católico que serve para se comunicar entre os internos da própria Igreja, com os fiéis e com o mundo em geral. Em outras palavras, as roupas ajudam a explicar quem faz o que, quem manda em quem e de qual lugar tal clérigo faz parte.
(Fonte: Reprodução/Internet)
Especificamente sobre as roupas do papa, elas cumprem a função de estabelecer a identidade do chefe da Igreja, mas não somente isso, elas se relacionam com o ocupante anterior do cargo e com a ideia de que o atual papa pretende passar para o seu sucessor.
Tomando como exemplo a batina branca, talvez a roupa mais conhecida de qualquer papa. Simbolicamente, ela reconhece o lugar dele como sucessor de São Pedro, ou seja, algo ligado à pureza e à espiritualidade.
No Rationale divinorum officiorum, um tratado de liturgia escrito em 1286, podemos encontrar uma das interpretações mais aceitas sobre a cor das vestes papais. Nele, o branco é associado à pureza e a uma vida santa; já o vermelho se remete ao sacrifício e ao sangue que Cristo derramou para a salvação do mundo.
Logo, se um papa eleito decide voltar a usar a batina preta ou usar os acessórios característicos dos cardeais, ele estaria sendo desrespeitoso com sua função. Sem falar da polêmica que isso geraria.
(Fonte: Shutterstock)
O Papa emérito, Bento XVI, que pediu para deixar o cargo, também entra na regra acima, ou seja, mesmo não sendo mais o líder da Igreja, ele usa a batina branca devido ao cargo que ocupou em outros tempos. No entanto, não usa a mozzetta, o item que distingue cuidadosamente o papa de outros líderes episcopais. O ex-papa também não usa a faixa branca na cintura, que é reservada ao papa reinante. A ausência dessa faixa sinaliza que ele não está mais participando da hierarquia da Igreja.
No final, tudo faz parte de uma cosmovisão sacramental, na qual os símbolos, principalmente os materiais, como as roupas, importam. Além disso, o respeito rigoroso às regras de vestimenta por um papa mostra o quanto o protocolo católico de indumentária foi trabalhado nos mínimos detalhes para ser meticulosamente legislado.
Claro, sempre tem alguém que tenta mudar algo. O Papa Francisco costuma causar certo alvoroço na Igreja por sua abordagem progressista, moderna e, às vezes, fora da tradição. Aqui, suas escolhas de vestuário podem ser entendidas como uma mensagem política.
(Fonte: Shutterstock)
Por exemplo, ele quebrou a tradição com seus sapatos pretos. Também usa um anel de prata de quando era cardeal, e não um de ouro como os seus antecessores. Sem contar que ele evita o uso de vários acessórios.
Nesse caso, as roupas do Papa Francisco estão além da hierarquia, servem para passar a mensagem de uma Igreja mais humilde e simples. E, querendo ou não, acaba fazendo oposição aos papas do passado e passa sua mensagem para o próximo.