Artes/cultura
01/02/2022 às 04:00•2 min de leitura
Uma sociedade única existiu por anos em Hong Kong. A Cidade Murada de Kowloon, que, em seu auge, abrigou 50 mil habitantes, tem origem que remonta a meados do século XIX, a partir de uma fortificação militar, sendo construída acima das ruínas de um antigo posto de observação na Península de Kowloon.
Controlada por Tríades (a máfia chinesa), a história da Cidade Murada de Kowloon chegou ao fim em abril de 1994, com a completa demolição da cidadela. A região foi marcada por altos índices de prostituição, violência, consumo de drogas e jogatina.
(Fonte: ArchDaily)
Quando Hong Kong se tornou uma colônia britânica, no século XIX, partes do território foram anexadas pelo império com o passar dos anos. Em 1899, ficou acertado um tratado que tornou a área da cidadela um enclave — território distinto política, social e/ou culturalmente, cujas fronteiras geográficas estão inteiramente contidas dentro dos limites de outro território.
O Império Britânico, contudo, ignorou o acordo e atacou a península. Porém, como a porção correspondente à cidadela estava deserta, foi completamente ignorada pela coroa.
Com o decorrer dos anos, pessoas se mudaram para a Cidade Murada, sendo movidas principalmente por falência, falta de opção ou para fugir, inclusive se aproveitando de um território sem leis.
Sem regras que orientassem as construções, o número de moradias cresceu desordenadamente, tal qual a população. Por volta da década de 1950, no local viviam mais de 17 mil pessoas, sob a égide do crime, onde o ópio corria solto e os bordéis dividiam espaço com a vida familiar.
(Fonte: Iam Lambot/Wikimedia commons)
Imagine dividir 1 metro quadrado com outra pessoa. Era essa a densidade que tornou a "Cidade das Sombras", alcunha pela qual chegou a ser conhecida, no local mais densamente povoado da história humana. Durante os anos 1980, ela viveu seu apogeu, com 50 mil pessoas dividindo os 27 mil metros quadrados.
A Cidade Murada de Kowloon media algo próximo ao tamanho de 2 campos de futebol e era composta de pequenos apartamentos, um sobre o outro. Corredores úmidos e escuros conectavam as habitações de varandas enjauladas. Em 1940, a vizinhança já era altamente povoada, sendo uma fascinante atração para turistas ingleses e colonos.
Contudo, apesar da imagem de "terra sem lei", a população da cidadela era majoritariamente trabalhadora, não se envolvendo com a criminalidade de seu entorno. Chegou a abrigar muitas fábricas, lojas e comércios familiares, além de ter rede de coleta de lixo, jardim de infância e até ONGs para reabilitação de dependentes químicos.
(Fonte: Iam Lambot/Wikimedia commons)
Por volta de 1984, o governo de Hong Kong e o chinês concluíram que a Cidade Murada já havia passado dos limites, tendo-se tornado uma vergonha perante o mundo em virtude de sua realidade caótica, mesmo com a diminuição do crime organizado no fim dos anos 1970.
O processo começou com incursões policiais, fundamentais no desmantelamento de células das Tríades. Já em 1987, o governo de Hong Kong, sem nenhuma espécie de negociação com a comunidade local, desapropriou moradores e empresas da favela vertical, oferecendo compensações financeiras muito baixas. A reprovação popular levou ao despejo dos habitantes à força, entre 1988 e 1992.
Desde 1995, o terreno compreende um parque público comemorativo chamado Parque da Cidade Murada de Kowloon, que não é muito divulgado e menos ainda tratado como atração turística ou motivo de orgulho. O espaço é ornamentado com jardins do início da Dinastia Qing e dividido em setores que receberam os nomes de construções da antiga cidadela. Tudo muito longe daquele caos monstruoso de outrora.