Quem tem direito de interpretar personagens de minorias?

25/09/2022 às 11:003 min de leitura

Hoje se discute muito a importância da diversidade no elenco de filmes e séries. O trailer de A Pequena Sereia com a atriz Halle Bailey, que é negra, reacendeu a discussão. Outro caso bastante debatido é a adaptação da BBC do romance Os Miseráveis (2018)de Victor Hugo, em que há atores negros em papéis que, em outras versões, eram vividos por brancos.

Esta discussão tem se inflamado entre o meio artístico, e há quem questione as seleções de elenco que consideram a cor dos atores –  defendendo uma bandeira do "daltonismo", ou seja, de que bons atores são bons independente de suas peles, e que uma seleção deve considerar apenas o seu talento. Mas será que é simples assim?

A verdade é que o casting de teatro e do cinema sempre foi alvo de críticas. Há até uma espécie de piada no meio que diz que todo mundo conhece alguém que seria melhor para um determinado papel. Por isso, envolver a questão política neste debate é uma novidade relativamente recente.

Quem tem direito de interpretar personagens minoritários?

(Fonte: Paramount Pictures/Reprodução)(Fonte: Paramount Pictures/Reprodução)

Recentemente, um grupo em defesa de pessoas deficientes criticou o fato de Alec Baldwin ter sido escalado para interpretar um personagem cego em seu próximo filme. Esta é uma discussão que era pouco feita há alguns anos, quando não havia este questionamento sobre a necessidade de que pessoas representassem papéis que estivessem dentro de seu universo.

A grande dúvida expressa aqui pode ser assim definida: quando se escreve um papel com uma determinada etnia, identidade sexual, gênero ou deficiência, até que ponto os criadores precisam ir atrás de um ator ou atriz que compartilham da mesma experiência? Ou seja, quem tem direito de contar as histórias dessas pessoas? E quem tem legitimidade para tomar essas decisões sobre elenco?

Há muitos exemplos de performances bem sucedidas que não obedeciam este critério. Leonardo DiCaprio recebeu uma indicação ao Oscar interpretando um jovem com deficiência mental no filme Gilbert Grape –  Aprendiz de Sonhador, de 1994. Al Pacino levou o Oscar por viver um cego em Perfume de Mulher, em 1992. E Jeffrey Tambor ganhou o Emmy por dar vida à transexual Maura na série Transparent. Mas será que não existiam atores LGBTQIA+ ou com deficiências que poderiam ter dado vida a esses personagens?

Esta discussão é complicada, pois toca justamente no âmago das artes cênicas: a ideia de que é possível suspender a descrença do público e fazê-lo mergulhar de cabeça na ficção. Por décadas, imaginou-se que isso seria um indício do talento de um ator ou atriz.

Por que isso é importante?

(Fonte: Theatre Art Life/Reprodução)(Fonte: Theatre Art Life/Reprodução)

A grande indagação aqui é se apenas abordar personagens pertencentes a minorias ajuda a buscar justiça social para estas pessoas sem que se dê chances de trabalho para elas. Ou seja, é relativamente fácil levantar a bandeira da igualdade e da responsabilidade social sem mexer nos processos produtivos –  mantendo as equipes com os mesmos grupos majoritários, com pessoas brancas e heterossexuais, por exemplo.

Por isso, já circula a ideia da mudança do termo "casting daltônico" (ou seja, que as seleções de elenco não foquem na cor da pele dos atores) para "casting consciente de cor", envolvendo uma compreensão mais profunda sobre os impactos desse tipo de escolha.

Para se ter uma ideia de como isto é profundo, basta acessar o resultado de um estudo feito pela Asian American Performers Action, que descobriu que nos teatros de Nova York, entre 2006 e 2015, 78% dos atores escalados eram brancos, embora o Censo americano tenha mostrado que a população branca da cidade correspondia a cerca de 44%.

(Fonte: Ivan Pantic/Getty Images)(Fonte: Ivan Pantic/Getty Images)

O dramaturgo David Henry Hwang, ativista em prol dos atores asiáticos, disse que com o passar dos anos o debate evoluiu muito, manifestando novas nuances. “Esses debates são saudáveis. Acho que isso representa uma sociedade que está tentando se controlar e avançar em território desconhecido", declarou ao Los Angeles Times.

A dramaturga Quiara Alegría Hudes é um exemplo de autora que escreve peças com papéis voltados a etnias específicas –  o que, segundo ela, precisa ser honrado na hora da montagem. Em caso contrário, a peça está sendo desrespeitada.

Diep Tran, editora da revista American Theatre, defende que esta discussão permaneça sendo feita não apenas no teatro, mas em todas as artes. “Consciente das cores significa que estamos cientes da discriminação histórica na indústria do entretenimento, e também estamos cientes do que significa colocar um corpo de cor no palco”, pontuou.

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