Artes/cultura
21/03/2023 às 09:00•4 min de leitura
Na década de 1920, os segredos de um culto abalaram a Califórnia, nos Estados Unidos, ao tecerem uma história chocante envolvendo profecias, sacrifícios animais, desaparecimentos suspeitos e o corpo mumificado de uma jovem de 16 anos.
Conhecido oficialmente como a Ordem Divina das Armas Reais das Grandes Onze, ou simplesmente depois como Culto de Blackburn, esse movimento religioso criado por uma mãe e uma filha afirmava seguir revelações recebidas diretamente de anjos, porém, sua metodologia peculiar não poderia estar mais distante do celestial.
A Ordem Divina, ou Clube das Grande Onze, foi fundada por Matilda May Otis Blackburn e sua filha, Ruth, duas atrizes fracassadas que moravam em um bairro no centro de Los Angeles. Na época, Ruth trabalhava como uma "dançarina de táxi", uma versão do início do século XX das dançarinas eróticas, isso é claro, até ela e a mãe receberem uma suposta visita dos arcanjos Gabriel e Miguel, que teriam afirmado que as duas eram as testemunhas descritas pelo bíblico Livro do Apocalipse.
(Fonte: Coleções Digitais da Biblioteca da UCLA/Reprodução)
De acordo com a dupla, os seres angelicais as direcionaram a escrever uma obra repleta com o conhecimento divino, que deveria ser chamada A Sétima Trombeta de Gabriel, mas que depois teve o nome alterado para O Grande Sexto Selo.
Aparentemente, esse trabalho mudaria o mundo, revelando riquezas e depósitos de petróleo escondidos e assim que fosse concluído, o sétimo selo seria rompido no Paraíso, dando início a um evento apocalíptico.
No fim, o livro nunca foi publicado, mas isso não impediu Matilda e sua filha de criarem o culto da Ordem Divina das Armas Reais das Grandes Onze, nomenclatura ligada a uma proclamação feita pela mulher mais velha que, após o fim do mundo, a população restante seria comandada por onze rainhas em mansões na região de Hollywood.
(Fonte: Samuel Fort/Reprodução)
Ambas passaram a se autodenominar rainhas e sacerdotisas supremas, e utilizando seus charmes e talentos afiados pelo seu tempo no ramo de entretenimento, conseguiram não só fazer as pessoas acreditarem em sua história mirabolante como também pagar para ouvir "informações privilegiadas", com a taxa supostamente servindo para auxiliar na produção do livro e pagar a afiliação na Ordem.
Conforme os seguidores aumentavam, as duas começaram a exigir tributos maiores em dinheiro e propriedades para financiar seu "trabalho celestial", e no fim, o Clube das Grande Onze finalmente saiu da populosa Los Angeles para construir uma comunidade e pregar suas verdades em área mais isolada no sul da Califórnia, composta por 164 acres de terra doados por Clifford Dabney, sobrinho de um magnata do petróleo.
Entre os encantados pelo charme das Blackburns estava Sam Rizzio, que após se casar com Ruth em 1924, supostamente acabou percebendo o quão intensa as coisas estavam se tornando no culto e implorou para que a esposa partisse com ele.
A situação teria aparentemente virado uma discussão grave entre o casal, que resultou no marido golpeando a mulher com força o bastante para tirar sangue, levando os seguidores a formarem uma parede ao redor de sua adorada rainha para protegê-la.
(Fonte: Samuel Fort/Reprodução)
Depois dessa briga, o esposo de Ruth nunca mais foi visto, com um bilhete para sua mãe afirmando que ele havia se tornado "um sumo sacerdote, invisível para olhos menos espirituais". Porém, o irmão mais novo do homem, Frank, achou a história muito estranha e decidiu investigar, se infiltrando na Ordem como motorista de Matilda, apenas para descobrir que as roupas e as malas de Sam ainda estavam no local, levantando a suspeita que ele poderia ter sido envenenado sob o comando das duas mulheres.
Contudo, a própria família Rizzio tinha crimes que queriam esconder, como o fato de seu patriarca ser procurado por um triplo homicídio em Chicago, então as ameaças de levar o caso à polícia nunca foram concretizadas, mas acredita-se que outros membros do culto que também desapareceram em circunstâncias misteriosas tenham sido igualmente envenenados por contrariarem as sacerdotisas.
Além dos sumiços, outro caso assustador teria ocorrido com Frances Turner, uma mulher paralítica que fazia parte da Ordem e teria sido colocada em um forno caseiro improvisado por dois dias como uma forma de cura, mas que obviamente acabou resultando em seu falecimento.
(Fonte: Samuel Fort/Reprodução)
Os desejos das criadoras do culto eram a lei para os seus seguidores, não importava o quão estranhos os rituais pudessem ser, mesmo se envolvessem o sacrifício de mulas, dançar sem roupa ou se preparar para a ressurreição de uma jovem.
No Ano Novo de 1925, uma adolescente de 16 anos chamada Willa Rhodes morreu de uma infecção dentária severa. Porém, Matilda afirmou para os pais enlutados que a verdadeira causa seriam "crenças erradas", sugerindo que o falecimento era uma espécie de sacrifício para salvar o mundo e que a menina voltaria à vida como uma princesa 1.260 dias após O Sexto Grande Selo ser publicado.
Seguindo as palavras de sua sacerdotisa, os Rhodes preservaram o corpo da filha, colocando-o em uma banheira cheia de gelo, especiarias e sal. Então, 14 meses depois, o casal decidiu voltar para Venice, em Los Angeles, e levar os restos basicamente mumificados de Willa, que foram então descobertos pela polícia em um caixão de metal sob o assoalho da casa, juntamente com sete filhotes de cachorro sacrificados, representando os toques da trombeta do Anjo Gabriel, e que supostamente iriam garantir seu retorno à vida.
Em 1929, os membros da Ordem já estavam cansados de esperar a conclusão do tal livro que traria riquezas e o apocalipse, apresentando acusações de fraude e roubo contra May e Ruth em um valor de US$ 200 mil (cerca de US$ 3 milhões atualmente).
(Fonte: Jason Horton/Reprodução)
Foi isso que acabou chamando a atenção das autoridades, revelando não apenas o caso dos Rhodes, mas também as situações bizarras e misteriosas que cercavam mãe e filha. Porém, a falta de evidências concretas impediram que a dupla fosse julgada pelos desaparecimentos e até mesmo pelo tal "forno curador".
Em 1930, as duas tiveram que responder no tribunal por oito acusações de roubo e enquanto o caso contra Ruth foi retirado, Matilda foi considerada originalmente culpada e sentenciada a um mínimo de oito anos de prisão. Obviamente, a mulher apelou do veredito, apontando que as histórias sobre Rizzo e Willa tinham chocado o júri e influenciado a decisão.
Um ano depois, a Suprema Corte da Califórnia anulou a condenação de Blackburn, alegando que era impossível comprovar que ela tinha mesmo recebido dinheiro de má-fé. No fim, as artistas fracassadas que se tornaram rainhas sacerdotisas não foram presas, mas toda a propaganda negativa acabou impedindo que as Grande Onze continuassem com toda sua glória. O Grande Sexto Selo nunca foi publicado e as aspirações das Blackburns não mudaram o mundo ou trouxeram seu fim, mas se tornaram uma parte obscura da História.