Estilo de vida
25/07/2023 às 04:00•4 min de leitura
Ao longo de sua história, a França teve uma coleção de psicopatas que ficaram famosos por seus crimes monstruosos. Alguns deles você já ouviu falar — como o delinquente sexual em série Marquês de Sade, o guilhotinador em massa e caçador de bruxas Robespierre, o traidor da Segunda Guerra Mundial, Marechal Pétain e, mais recentemente, Pierre Chanal, que assassinou dezessete garotos entre os anos de 1980 e 1988.
No entanto, tem um criminoso que quase ninguém fala: Gilles de Rais. A razão pode ser porque as coisas que ele supostamente fez são bem polêmicas, e ainda rola uma briga entre dois grupos que não concordam se ele era culpado ou inocente. Então, vamos dar uma olhada na história desse polêmico francês, desde a infância até a execução, e aí você decide — será que ele foi mesmo um dos primeiros serial killers do mundo ou não?
(Fonte: Reprodução/Wikimedia Commons)
Gilles de Rais nasceu no castelo da família em Champtocé-sur-Loire, na França, no ano de 1404. Esperto desde pequeno, o garoto tinha fluência em latim e se dividia entre o lado militar e devorar leituras de manuscritos. Quando seus pais morreram em 1415 — o pai em um acidente de caça —, ele e o irmão foram viver com o avô materno, Jean de Craon.
Esse avô era um tremendo de um espertalhão e tentou casar o menino Gilles com uma garotinha de quatro anos chamada Jeanne Paynel — cuja mãe, coincidentemente, era uma das mulheres mais ricas da França. Só que essa ideia não deu certo, muito pelo contrário. Mas o vovô não desistiu e tentou de novo, agora mirando a sobrinha do Duque da Bretanha como noiva pro seu neto. Mais uma tentativa falha.
Sendo um ardiloso planejador, Craon tentou pela terceira vez. Em 30 de novembro de 1420, ele conseguiu casar Gilles de Rais com Catherine de Thouars da Bretanha, que "por acaso" era herdeira de Poitou, uma antiga Província da França.
(Fonte: Reprodução)
Gilles de Rais lutou ao lado de Joana d'Arc na Guerra dos Cem anos e tornou-se o seu braço direito no campo de batalha. Aos 25 anos, foi nomeado Marechal da França, um título prestigioso concedido ao mais alto comandante das Forças Armadas reais. Ele testemunhou de perto a traição contra Joana por parte de outros militares e até mesmo do rei, que a entregaram aos ingleses. Ela foi julgada pela Inquisição, acusada de heresia, condenada à morte e queimada na fogueira em 1431.
Enquanto hoje Joana é lembrada como heroína e até mesmo canonizada pela Igreja Católica, Gilles acabou se tornando um símbolo de maldade e personificação do mal na França. Jovem e imensamente rico, após a morte de Joana d'Arc, ele abandonou a vida militar. Segundo registros históricos, entregou-se a uma vida de excessos, orgias e desenvolveu uma obsessão por sexo e morte.
(Pintura de Giles de Rais praticando ocultismo | Fonte: Reprodução)
Mais tarde, Gilles de Rais passou a demonstrar uma crescente preocupação com religião e a salvação pessoal. No ano de 1433, ele financiou uma igreja que chamou de "Capela dos Santos Inocentes", com o intuito de buscar paz para sua alma. Curiosamente, apesar das acusações que logo enfrentaria, a igreja incluía um coral de meninos selecionados pessoalmente por de Rais. Além disso, ele recorreu ao ocultismo, buscando ajuda de magos e alquimistas para enfrentar uma situação financeira precária.
Enquanto isso, começaram a circular os rumores — crianças haviam desaparecido depois de estarem próximas a um dos castelos do homem. Em alguns lugares, os atos suspeitos de Gilles foram mantidos em segredo pelos moradores, que temiam represálias por denunciarem um nobre tão poderoso. De nada adiantou. Pouco depois, seus crimes começaram a ser investigados e julgados.
(Fonte: GettyImages)
Durante o julgamento, os relatos dos atos de Gilles de Rais continham detalhes terríveis. De acordo com testemunhas ouvidas no tribunal, foi relatado que ele empregava uma mulher para atrair crianças para dentro do castelo. Os detalhes macabros do que acontecia por trás das portas vieram à tona durante a confissão de um de seus servos. "Às vezes ele cortava as cabeças, às vezes só a garganta, e em outras ocasiões quebrava o pescoço com golpes. Depois de cortar suas veias para que definhassem enquanto derramavam sangue, Gilles às vezes se sentava na barriga das crianças e sentia prazer. Ele inclinava-se sobre elas, assistindo-as morrer."
Outros relatos mencionavam que ele mantinha relações sexuais com os cadáveres das crianças enquanto ainda estavam quentes. Os servos também o acusaram de praticar coisas "com o diabo".
(Pintura da execução de Giles de Rais na forca | Fonte: GettyImages)
Gilles foi levado à câmara de tortura e amarrado, mas acabou confessando antes de ser torturado. Os documentos do julgamento contam que o homem confessou aberta e voluntariamente que, devido ao fervor e prazer em satisfazer seus desejos carnais, havia matado um grande número de crianças. Às vezes, as submetia a vários tipos de tortura. Cometeu atos terríveis com elas enquanto agonizavam e sentia prazer beijando crianças mortas e julgando qual delas tinha a cabeça mais bonita. Depois, ordenava que seus empregados levassem os corpos e os queimassem até virarem cinzas.
Acredita-se que ele matou entre 80 e 200 crianças, com idades entre seis e 18 anos, a maioria delas meninos.
Gilles de Rais pediu que sua confissão fosse publicada em francês, para que o povo pudesse entender, ao invés do latim que era normalmente usado nos tribunais. A Igreja o havia ameaçado com excomunhão e condenação eterna no inferno, a menos que confessasse. O veredito final foi a condenação à morte na forca, seguida da queima de seu corpo na fogueira.
(Gilbert Prouteau, autor de uma biografia de Gilles de Rais, em 1992 | Fonte: BBC)
Apesar de a condenação ter sido baseada em muitas declarações de testemunhas, há céticos que questionam o julgamento e veem o homem como uma vítima injustiçada da Inquisição. Entre eles estão os biógrafos Fernand Fleuret e Jean-Pierre Bayard, além do escritor Salomon Reinach da década de 1920, e outros.
Eles ressaltam que as confissões dos empregados de Gilles foram obtidas sob tortura, enquanto a própria confissão de suposto assassino foi obtida mediante ameaças. Em 1992, um tribunal não oficial foi criado e se reuniu no salão dourado do palácio de Luxemburgo, em Paris, com o objetivo de reavaliar o caso. Gilbert Prouteau, autor de uma biografia sobre Gilles de Rais e organizador do evento, defendeu a ideia de que o homem foi executado porque o bispo Malestroit e seu aliado Jean V, duque da Bretanha, estavam interessados em suas propriedades. Após a execução de Gilles, o duque da Bretanha herdou todos os títulos e terras de Rais.
Para o ex-ministro da Justiça francês, Michael Crepeau, a verdadeira motivação do julgamento de Gilles era política, seguindo uma situação semelhante à ocorrida com Joana d'Arc. No entanto, a maioria dos historiadores concorda que é muito mais provável que o homem fosse, de fato, um criminoso.
Ambas as teorias fazem sentido — é possível que seus crimes, cometidos contra filhos de camponeses, tenham sido ignorados pela nobreza até que se tornasse politicamente conveniente processá-lo e condená-lo. Ou talvez os horrores cometidos tenham se tornado insuportáveis para serem ignorados.