Ciência
03/10/2024 às 09:00•3 min de leituraAtualizado em 03/10/2024 às 09:00
Como você ouve música? Provavelmente, você deve ter respondido que faz isso pelas plataformas digitais, como o Spotify, o Deezer ou o YouTube. Mas em um tempo nem tão distante assim, uma das poucas formas de você escutar o último lançamento do seu artista favorito era comprando o disco dele.
E tudo isso nem faz tanto tempo. Para se ter uma ideia, em 1999, o lendário músico David Bowie causou uma pequena revolução ao lançar o seu 22º disco de estúdio. Chamado de Hours, a obra foi bem recebida pela fã cativo do músico, mas também ajudou a lançar as bases para um novo tipo de consumo de música.
Isso porque o álbum foi lançado ao mundo em 21 de setembro de 1999 — duas semanas antes de chegar às lojas de discos. Com isso, David Bowie se tornou o primeiro artista de uma grande gravadora a vender legalmente seu disco completo por meio de download na internet. ajudando a dar início a uma nova era na indústria musical.
Falecido em 2016, David Bowie era sempre destacado como um músico visionário, com ações muito à frente de seu tempo. Só para se ter uma ideia, em 1998, ele havia lançado seu próprio provedor de internet, chamado BowieNet, o que deu acesso aos seus fãs a músicas exclusivas e a vídeos.
Quando ele montou o álbum Hours, Bowie já estava completamente mergulhado no mundo digital. Só para se ter uma ideia: a maioria das músicas do disco foi escrita para um jogo de videogame chamado Omikron: The Nomad Soul – no qual o próprio Bowie aparecia, fazendo dois papéis diferentes.
Sete semanas antes do lançamento do disco, Bowie havia jogado clipes de 45 segundos de cada faixa na BowieNet, como um teaser que chamaria a atenção ao novo álbum. Na época, ele declarou: “estou esperançoso de que esse pequeno passo levará a passos maiores por mim e por outros, dando aos consumidores, em última análise, mais opções e acesso mais fácil à música que eles gostam”. Mas a própria indústria musical não reagiu tão bem assim.
Na época, a HMV era a maior distribuidora de música da Grã-Bretanha, e não olhou com bons olhos o plano inovador de Bowie de lançar o disco preferencialmente online, ao invés de uma versão física (o CD). Uma rede de discos chamada Free Record Shop, da Holanda, ameaçou retirar toda a sua vasta discografia de suas lojas.
A própria Virgin, que era a gravadora de David Bowie, encarou o projeto com reservas. Glen Ward, que era CEO da Virgin, declarou ao The Guardian: "eu conseguia entender por que ele estava fazendo isso — apenas ultrapassando os limites, aproveitando a oportunidade de aumentar a conscientização. Mas, de uma perspectiva empresarial, era irritante, para dizer o mínimo".
Dito de outra forma: o fato de que um artista gigante como David Bowie tenha lançado suas músicas por preços mais acessíveis na internet não foi algo bem visto pelos donos das lojas de varejo, acostumados a vender discos por US$ 20. Mas Bowie insistiu, dizendo: “marque minhas palavras... não vamos voltar para gravadoras e lojas de varejo. Dentro de cinco anos, (o mercado) terá se movido tão espetacularmente que ninguém reconhecerá o negócio da música".
O tempo provou que ele estava certo, embora o projeto de Hours não tenha sido um sucesso de imediato. Nas duas semanas em que o disco ficou disponível digitalmente, apenas 989 pessoas tiveram largura de banda, paciência e confiança na segurança online para acessar todas as músicas. Vale lembrar, claro, que o ano era 1999 – ou seja, ainda vivenciávamos a era da internet discada.
Mesmo assim, todas as previsões de Bowie se provaram corretas com o tempo. Na época, ele pareceu realmente visionário do futuro, ao declara isto: "estamos todos cientes de que as oportunidades de banda larga ainda não estão disponíveis para a esmagadora maioria das pessoas, e, portanto, esperamos que o sucesso deste experimento seja medido em centenas e não milhares de downloads".
Apenas dois anos depois, a Apple lançou o iTunes, sua loja digital de música. Ou seja: David Bowie estava em Hours prevendo a força da internet para o ramo da música. “Mesmo que não tivesse atingido nenhuma massa crítica para quantidade, Bowie certamente conhecia seu alcance qualitativo e seu poder", declarou mais tarde o vice-presidente de promoção da Virgin, Michael Plen. O resto é história.