Artes/cultura
04/12/2024 às 10:02•3 min de leituraAtualizado em 04/12/2024 às 17:06
A Coreia do Sul viveu momentos de grande tensão na madrugada do dia 3 de dezembro, quando o presidente Yoon Suk Yeol declarou a Lei Marcial no país, marcando a primeira vez em mais de quatro décadas que essa medida extrema foi utilizada. A decisão, que durou poucas horas antes de ser revogada, provocou reações alarmadas tanto no cenário doméstico quanto internacional, reabrindo feridas históricas e questionamentos sobre os limites do poder presidencial em tempos de democracia.
A Lei Marcial é um instrumento legal que confere poder quase irrestrito às forças militares em tempos de emergência, suspendendo leis civis e direitos fundamentais. Quando ela é aplicada, direitos básicos como o de ir e vir, liberdade de reunião e até mesmo remédios constitucionais como o habeas corpus podem ser suspensos. Na prática, o poder passa das autoridades civis para as militares, que assumem a tarefa de restabelecer a ordem.
Você pode até nunca ter ouvido falar, mas esse tipo de ação não é rara. Um exemplo recente aconteceu em fevereiro de 2022, na guerra entre Rússia e Ucrânia, quando o presidente Volodymyr Zelensky decretou Lei Marcial, proibindo, entre outras coisas, que homens entre 18 e 60 anos deixassem a Ucrânia. Em outubro do mesmo ano foi a vez de Vladimir Putin declarar tal lei nas áreas anexadas que pertenciam à Ucrânia.
Embora essa seja uma ferramenta presente em legislações de alguns países, no Brasil não existe previsão constitucional para Lei Marcial. Aqui, estados de exceção, como o estado de defesa e o estado de sítio, cumprem papel semelhante. Esses mecanismos, autorizados pela Constituição de 1988, permitem ao governo restringir temporariamente certos direitos em cenários extremos, como comoções graves ou guerra declarada.
O estado de sítio, por exemplo, é o mais próximo da ideia de Lei Marcial no país. Ele possibilita medidas como a obrigação de permanência em locais específicos, suspensão de correspondência sigilosa e busca domiciliar sem mandado. Apesar de menos drástico, ele reflete o mesmo princípio: em tempos de crise, algumas liberdades podem ser sacrificadas para proteger o coletivo.
Historicamente, na Coreia do Sul, essa medida esteve associada aos períodos sombrios de ditaduras militares, como durante os governos de Park Chung-hee e Chun Doo-hwan, marcados por repressões violentas e autoritarismo. Desde a democratização do país em 1987, a intervenção militar nos assuntos civis tornou-se um tabu. Assim, a declaração feita por Yoon gerou um forte impacto, remetendo a um passado que muitos sul-coreanos prefeririam esquecer.
O discurso de Yoon, transmitido em rede nacional, acusou a oposição de ser composta por "forças antiestatais" que ameaçariam a ordem democrática. Sob o decreto de Lei Marcial, foram impostas medidas drásticas, como a proibição de greves, manifestações e atividades políticas, além do controle sobre a mídia e o retorno forçado de profissionais médicos ao trabalho.
Yoon justificou a Lei Marcial como resposta a ameaças norte-coreanas e para proteger a estabilidade, mas críticos apontaram motivações políticas, como conter a oposição e desviar atenção de escândalos. Sob forte pressão interna e externa, a medida foi anulada por parlamentares, enquanto manifestantes exigiam sua renúncia. O episódio alarmou aliados, como os EUA, que condenaram a decisão como autoritária e prejudicial à já frágil estabilidade política.
Esse episódio lança luz sobre as fragilidades políticas da administração de Yoon. Desde que assumiu o cargo em 2022, ele enfrenta uma forte resistência do Parlamento, controlado pela oposição, além de sofrer com escândalos e baixa popularidade. Sua tentativa de usar a Lei Marcial, segundo especialistas, reflete uma estratégia desesperada para recuperar autoridade, mas que acabou enfraquecendo ainda mais sua posição.
Para a sociedade sul-coreana, o ocorrido serve como um alerta sobre os riscos de retrocessos democráticos, mesmo em países consolidados. Esse tipo de lei, embora prevista em constituições como a da Coreia do Sul, é uma ferramenta extrema, cuja aplicação sempre deve ser avaliada com cautela.
No caso de Yoon, sua tentativa de ressuscitar um instrumento tão polêmico deixou marcas profundas, reforçando que a memória histórica e a vigilância cidadã são barreiras essenciais contra abusos de poder.