Ciência
15/04/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 15/04/2024 às 20:00
Devido à perseguição, violência, violações dos direitos humanos e conflito, cerca de 108,4 milhões de pessoas foram deslocadas à força em todo mundo só em 2022, como apontaram os dados da Agência da ONU para Refugiados dos EUA. Desse número, 35,3 milhões eram refugiados e 62,5 milhões eram deslocados internos.
Os países europeus acolheram 1 em cada 3 refugiados no mundo, o equivalente a 36%, subindo de 7 milhões no final de 2021 para 12,2 milhões em 2022. Mais de 159 mil pessoas arriscaram a vida tentando chegar à Europa por terra ou mar, sendo que mais de 2.439 estão mortos ou desaparecidos.
Em compensação, a agência de estatísticas Eurostat divulgou que foram deportados 26.600 dos 105.865 refugiados realocados em países da União Europeia, no segundo trimestre de 2023. Isso revelou um aumento de 29% em relação ao segundo trimestre de 2022, sendo que 76% das pessoas foram enviadas para fora das fronteiras do bloco.
Além de fatores econômicos e culturais, é estimado que pelo menos um terço das pessoas deslocadas experimentem altas taxas de depressão, ansiedade e transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) devido às circunstâncias que enfrentaram durante sua migração.
Esse, inclusive, é o motivo pelo qual crianças sofrem com a Síndrome da Renúncia, uma doença misteriosa que afeta refugiados na Suécia.
Em uma entrevista com mais de 400 requerentes de asilo, o Sweden Research descobriu que a principal razão pela qual os refugiados escolhem ir para Suécia é devido os mais de 200 anos de paz que a nação comemora, além de possuir uma reputação como um dos países mais familiares do mundo. Além disso, possui em sua excelente estrutura educacional, fornece o melhor subsídio econômico aos refugiados e mais oportunidades de trabalho.
Na virada do século XXI, a Suécia recebeu cerca de 750 mil pedidos de asilo de sírios, iraquianos, somalis e eritreus. Nos últimos 20 anos, o governo negou mais de 300 mil pedidos, estabelecendo sua decisão de começar a devolver os refugiados ao seu país de origem. Em meados de 2015, ano que se iniciou a Crise Migratória, o governo sueco aceitou 163 mil refugiados sob a retórica heroica de Stefan Lofven, então primeiro-ministro do país, de que “Minha Europa não constrói muros”.
Após isso, porém, todos os grandes partidos passaram a defender uma política migratória restritiva com um forte foco na lei e na ordem, visto que a questão dos refugiados deixou de ser uma responsabilidade política. Os suecos perceberam que há um problema em ser a “nação mais generosa da Terra”, como escreveu o colunista James Traub, em seu artigo para a Foreign Policy, em 2016.
Os políticos estavam confiantes que o país seria capaz de integrar um grande número de crianças afegãs mal alfabetizadas e sírios piedosos e conservadores, assim como fizeram, por exemplo, com os bósnios, nos últimos anos.
Esse senso de obrigação moral universal e a confiança de que o Estado era forte o suficiente para cuidar de muitas coisas, revelou-se insuficiente e, como resultado, o país sofre com a disparada nos índices de criminalidade em áreas socialmente desfavorecidas, onde, nada ironicamente, os refugiados encontraram o único lar que os cabia no momento, conforme apontou um relatório do Conselho Nacional Sueco para Prevenção do Crime
Em meio às críticas de que certas línguas, religiões ou culturas tornaram o país mais propenso ao crime, o número de suecos favoráveis ao aumento da migração caiu de 58% em 2015 para 40% em 2021.
Se isso é um assunto social de excesso de benevolência moral ou complexo de autossuficiência, o que importa é que, de fato, a Suécia já não é mais acolhedora com os refugiados e nem quer ser vista como tal, tanto que em junho de 2016 se apressou para revisar sua política de longa data para negar asilo permanente. Enquanto isso, os refugiados, à margem, sofrem as consequências do deslocamento.
As crianças são uma das mais afetadas pelo estresse psicológico e emocional causado pela possibilidade de deportação na Suécia, levando-as a se retirarem do mundo de maneira sumária, o que caracteriza a Síndrome da Renúncia.
O que essas crianças enfrentam não é em nada parecido com o caso de Beth Goodier, uma jovem de 26 anos, moradora de Stockport, em Manchester, Reino Unido, que desde que nasceu experimenta episódios de sono que podem durar até 22 horas ou 6 meses, em que ela se levanta apenas para fazer pequenas refeições, ir ao banheiro tomar banho.
O problema de Goodier é chamado de Síndrome de Kleine-Levin (KLS), popularmente conhecida como Síndrome da Bela Adormecida. Para a comunidade médica, a causa específica ainda é desconhecida, mas há algumas especulações, como lesões no hipotálamo (parte do cérebro que controla o sono, apetite e temperatura corporal), fatores autoimunes ou até mesmo genéticos.
Nada disso, porém, é o caso das crianças refugiadas da Suécia, que testemunhou seu primeiro caso no final da década de 1990, sendo que entre 2003 e 2005, o número aumentou para 400 casos. Recentemente, o Conselho Nacional de Saúde da Suécia declarou que houve 169 casos em 2015 e 2016, mostrando que a síndrome diminuiu, mas continua um mistério médico.
Pouco se sabe sobre a doença, apenas que o corpo da criança fica preso em uma espécie de coma emocional, em que sua pressão arterial é bastante normal e há uma alta taxa de pulso. Não há lesões cerebrais e todos os órgãos funcionam normalmente, apesar de a criança não acordar.
A crise migratória e as políticas no tratamento de refugiados lançaram muitas sombras na maneira como a Síndrome da Renúncia foi encarada. Uma vez que os resultados dos exames das crianças que eram internadas voltavam normais, houve acusações de que elas estavam fingindo para evitar a deportação.
Muitas crianças foram submetidas a exames médicos e cuidados hospitalares intensivos sob a supervisão de uma variedade de especialistas, em unidades de terapia separadas dos pais, mas nunca acordaram. Essas "crianças apáticas", como ficaram conhecidas na mídia, jamais poderiam sustentar um estado apático por tanto tempo se estivessem mesmo fingindo.
Enquanto isso, a conduta e caráter dos pais foram postos à prova. Especulou-se que as crianças estavam sendo sedadas ou até mesmo envenenadas. A mídia sugeriu que se tratava da Síndrome de Munchausen por procuração, em que um pai ou cuidador fabrica doenças e busca cuidados de saúde desnecessários para seu filho.
No final das contas, o mais próximo que os cientistas chegaram de entender a Síndrome da Renúncia é que ela pode ser uma falta da variação diária normal no nível do hormônio do estresse cortisol, o que dá um pouco de peso à hipótese que esse coma que as crianças enfrentam está associado aos traumas da deportação e violência contra os refugiados.
Concluiu-se que os hormônios do estresse durante a gravidez de mulheres refugiadas afetaram o desenvolvimento do cérebro e reduziram a capacidade das crianças de lidar com o estresse mais tarde na vida. O único problema nessa observação é que nem os hormônios do estresse, o sistema nervoso autônomo, ou o mau desenvolvimento cerebral explicariam as manifestações físicas incomuns que causam a síndrome. Há famílias que requerem asilo em todo o mundo, enfrentando, inclusive, situações ainda mais psicologicamente perturbadoras, e nenhuma respondeu à situação como as crianças na Suécia. Por que o estresse é comum, mas a síndrome, não?
Exames cerebrais especializados indicam que seja provável que os traumas do passado desempenhem um papel significativo no despertar da doença. Os cientistas ainda têm esperanças que pesquisas mais detalhadas possam revelar o que realmente está por trás da Síndrome da Renúncia.