Estilo de vida
13/09/2021 às 02:00•3 min de leitura
Apesar de escritores como Charles Dickens terem-se beneficiado da tensão e do clima que os nevoeiros característicos da Londres do século XIX criavam, eles também criticaram sua origem fabril — um reflexo do apogeu da Revolução Industrial, que trouxe transtornos de ordem pública em uma época que não existiam leis que protegessem o meio ambiente.
Quando uma névoa amarelenta cobriu a cidade de Donora, na Pensilvânia (EUA), em 26 de outubro de 1948, os cidadãos enxergaram (ou não) como uma ambientação perfeita — apesar de curiosa — para o Halloween que estava se aproximando.
Contudo, não demorou muito para que os cidadãos começassem a recorrer aos hospitais relatando dificuldades para respirar. Em menos de 1 dia, a cidade norte-americana havia-se tornado uma versão moderna da Londres vitoriana de Jack, o estripador, onde se tornou necessário andar à luz do dia com uma lanterna em mãos.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
A cidade de Donora era apenas uma comunidade agrícola a 48 quilômetros ao sul de Pittsburgh, aninhada em um vale estreito, antes de a fabricante de aço Carnegie Steel começar as fundações para uma de suas sedes, em 1902.
Em 1908, os mais de 12 fornos de produção proporcionaram à cidade o maior volume de tráfego ferroviário de carga da região. Várias fábricas surgiram nos arredores, como a Donora Zinc Works e a American Steel & Wire Plant — que, em 1918, pagou sua 1ª multa por danos à saúde como resultado da poluição do ar.
Aquele era só o começo do futuro nublado da pequena cidade.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Já na década de 1920, os proprietários de terras e fazendeiros da cidadela de Webster, próximo à Donora, entraram com uma ação judicial por danos atribuídos aos efluentes de fundição que destruíram casas e causaram a perda de pomares, safras, gados e solo superficial.
Com o "estourar" da Grande Depressão, a Donora Zinc Works enfrentou uma grande ação legal dos moradores de Webster por seus fornos causarem danos à saúde. No entanto, apesar disso, foram colocados de lado os planos para atualização dos fornos para produzirem menos fumaça.
(Fonte: La Nacion/Reprodução)
Foi na madrugada de sábado, em 30 de outubro, por volta das 2h, que aconteceu a primeira morte. Nos dias seguintes, 19 pessoas morreram. Rapidamente, as casas funerárias ficaram sem caixões, bem como as floriculturas. Os hospitais lotaram com pessoas testemunhando falta de ar e problemas cardíacos. Para essas, os médicos aconselharam que evacuassem a cidade. Se não fosse pela chuva que chegou naquele domingo de Halloween, dissipando o nevoeiro, a lista de vítimas teria ultrapassado mil pessoas.
Segundo Devra Davis, fundadora do Environmental Health Trust, quando a fumaça que saía das fábricas infectou mortalmente a cidade, os primeiros investigadores foram expulsos pelos executivos do local empunhando revólveres.
(Fonte: The Allegheny Front/Reprodução)
Naquela época, a maioria dos vereadores ocupava cargos executivos nas usinas, então qualquer problema com a fábrica, que os sustentava financeiramente, deveria ser sanado para preservar sua imagem.
Nas semanas que se seguiram após a passagem do nevoeiro, o Conselho do Borough de Donora e o United Steelworkers apelaram ao governo federal para lançar uma investigação liderada pelo crescente Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos.
“Por décadas, a poluição foi criada por indústrias muito poderosas e as investigações do estado foram muito amigáveis para com elas”, ressaltou o historiador Leif Fredrickson, da Universidade de Virginia.
Esse, então, foi o momento em que os cidadãos de Donora resolveram colocar um ponto-final naquele comportamento cíclico das indústrias que os matavam a cada dia.
(Fonte: Fine Art America/Reprodução)
Vinte e cinco investigadores foram enviados para Donora e Webster de modo a realizar pesquisas de saúde com os moradores, inspecionar plantações e rebanhos, medir as fontes de poluição do ar e monitorar a velocidade do vento naquelas condições meteorológicas.
O resultado foi que mais de 5 mil, dos 14 mil habitantes locais, experimentaram sintomas que variavam de moderados a graves devido à poluição causada pela passagem do nevoeiro. Os pulmões dos afetados foram comparados aos de sobreviventes da guerra que tiveram contato com gás venenoso.
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
Foi constatado, pelos investigadores, que a American Steel & Wire Plant e a Donora Zinc Works lançaram uma combinação de gases tóxicos, metais pesados e partículas finas no ar. O relatório preliminar, divulgado em outubro de 1949, mostrou que os efluentes tiveram seu efeito nocivo potencializado devido a uma inversão de temperatura: uma camada de ar frio ficou presa em uma bolha por uma camada de ar quente acima dela, impedindo que a poluição dispersasse do vale.
Porém, o advogado dos moradores apontou que outras cidades experimentaram o mesmo fenômeno, mas sem grande número de vítimas. Ele reforçou que havia algo na fumaça das usinas que estava causando aquelas mortes.
(Fonte: TimeToast/Reprodução)
Ainda assim, as usinas não "pagaram o preço" por terem causado aquelas mortes e arruinado a saúde de milhares de pessoas. Um estudo de 1961 indicou que a taxa de mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares em Donora cresceu exponencialmente após a catástrofe. Em defesa, a American Steel & Wire Company alegou que a poluição havia sido "um ato de Deus".
Em um triste contexto de “alguns males (ou muitos) vêm para o bem”, a poluição mortal de Donora serviu para que Harry S. Truman (ex-presidente dos Estados Unidos) convocasse a 1ª conferência nacional sobre poluição do ar na década de 1950. Nisso, o Congresso aprovou a 1ª Lei do Ar Limpo, 13 anos depois, e Richard Nixon deu continuidade a importância da saúde do ar criando a Agência de Proteção Ambiental, em 1970.
Apesar de todos os esforços, nunca nada conseguiu ser totalmente eficaz contra o surgimento de novas tecnologias e a evolução do setor industrial por todo o mundo, assim desastres ambientais continuam acontecendo.