Projeto 4.1: EUA expuseram propositalmente humanos à radiação

11/10/2023 às 14:004 min de leitura

Os Estados Unidos do século XX não conheceram limites quando o assunto era vencer guerras e defender seus próprios interesses – e nenhum desses aspectos mudaram até hoje. Um levantamento feito pela Macrotrends apontou que cerca de 13 mil pessoas viviam nas Ilhas Marshall, um arquipélago com 29 atóis (ilhas oceânicas em forma de anel), localizada entre o Havaí e a Austrália, quando os americanos decidiram fazer delas um campo para testes nucleares.

De 1946 a 1958, o governo americano realizou 67 testes nucleares nos atóis da ilha, como parte da corrida nuclear que tentava superar a temida União Soviética, rumo à Guerra Fria, o período mais nuclear da história mundial. Após o sucesso infame e contraditório das bombas de Hiroshima e Nagasaki, os governos concluíram que apenas uma bomba atômica poderia, de certa forma, colocar um fim em qualquer guerra ao mostrar quem estava sob o controle do mundo.

(Fonte: Nuclear Weapon Archive/Reprodução)(Fonte: Nuclear Weapon Archive/Reprodução)

E os americanos não tiveram escrúpulos com isso. Enquanto os soviéticos trabalhavam incansavelmente em seu Polígono no meio do deserto do Cazaquistão, os norte-americanos traçavam o escopo da Operação Castelo, que lançaria uma bomba termonuclear, também conhecida como bomba de hidrogênio, cujo poder de detonação estava previsto para ser mil vezes mais forte do que as lançadas sobre as cidades japonesas.

Nesse plano estava incluso o Projeto 4.1, que visava expôr propositalmente pessoas à radiação para estudar os seus efeitos.

A explosão

(Fonte: NOAA/Reprodução)(Fonte: NOAA/Reprodução)

Em 1º de março de 1954, os militares do Exército dos EUA levaram para o Atol de Bikini, localizado no oceano Pacífico, nas Ilhas Marshall, o maior empreendimento desenvolvido pelos cientistas do Laboratório de Los Alamos até então: a Bravo, uma bomba de hidrogênio que pesava 10,7 toneladas, media quase 5 metros de comprimento e tinha 137 centímetros de diâmetro. Foi o primeiro dispositivo termonuclear da Operação Castelo.

Às 6h45 do horário local, a bomba nuclear foi detonada, formando uma bola de fogo com quase 7,2 quilômetros de diâmetro e que pôde ser vista a mais de 400 quilômetros de distância de Bikini. Em 1 minuto, a nuvem em formato de cogumelo alcançou 40 quilômetros de altura e ganhou 11 quilômetros de diâmetro.

(Fonte: Nuclear Weapon Archive/Reprodução)(Fonte: Nuclear Weapon Archive/Reprodução)

Dez minutos depois, ela já se expandia em uma velocidade de 360 km/h. Foi só nesse momento que os cientistas perceberam o erro matemático catastrófico da concepção da Bravo — não era para ela ser tão forte assim, mas nada mais podia ser feito.

Cinco horas após a explosão da bomba, a precipitação radioativa chegou até os habitantes dos atóis vizinhos, em Rongelap, Ailinginae e Utrik, afetando cerca de 236 moradores. Nenhum deles foram alertados ou evacuados da área imediatamente, pois começava ali o Projeto 4.1, uma seção de pesquisa adicionada ao escopo da Operação Bravo que visava estudar os efeitos da radiação no corpo humano.

Crime e abuso

(Fonte: Nuclear Secreacy Blog/Reprodução)(Fonte: Nuclear Secreacy Blog/Reprodução)

O Projeto 4.1 foi apenas o começo da exploração dos impactos destrutivos da radiação no corpo humano, que começou com a Operação Castelo e se estendeu por mais 12 anos de bombardeamento de dispositivos nucleares, acumulando um rendimento radioativo de mais de 7 mil bombas de Hiroshima, afetando os 1.500 habitantes das Ilhas Marshall.

As consequências a longo prazo dos testes, e que não eram de interesse do governo americano, começaram a aparecer em 1961, quinze anos após o início das explosões, causando uma grande incidência de distúrbios da tireoide e câncer – e isso foi apenas o começo. Os marshaleses desenvolveram uma predisposição para defeitos congênitos, sendo os bebês-água-viva o mais comum entre eles, em que os fetos nascem sem ossos no corpo e com a pele quase transparente. Eles normalmente não têm pernas, braços ou crânio estruturado.

(Fonte: Business Insider/Reprodução)(Fonte: Business Insider/Reprodução)

A exposição aos radionuclídeos causou doenças e condições crônicas nos marshaleses a ponto de afetar sua expressão cultural, que acontecia muito por meio do canto, artesanato e percussão corporal. Esses aspectos já haviam sido desgastados por séculos de domínio colonial espanhol, alemão, japonês e, por fim, americano.

No livro Elements of Controversy (1994), o autor Barton Hacker diz que o Projeto 4.1 foi iniciado com motivos mistos, que até tinha a intenção de ajudar os ilhéus, mas que os fins políticos e militares se sobressaíram.

Os médicos americanos operaram cerca de 117 pacientes com distúrbios de tireoide na ilha, desembolsando um total de US$ 3 milhões em troca de consentimento para cirurgias. 

“Muitas pessoas tiveram hipotireoidismo com essas cirurgias”, disse Neal Palafox, médico e ex-chefe do programa de saúde do Departamento de Energia nas Ilhas Marshall, ao Los Angeles Times. Muito embora o câncer de tireoide esteja entre os mais bem sucedidos no que diz respeito ao tratamento de cânceres, os ilhéus foram submetidos a cirurgias agressivas e pouca ou nenhuma reabilitação e terapia pós-cirurgia, deixando muitos com deficiências vocais permanentes.

Os descartados

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

A cantora e compositora Eknilang tinha 8 anos quando a bomba Bravo foi detonada no Atol de Bikini. Os médicos removeram sua glândula tireoide e a deixaram com uma lesão vocal permanente. “O povo confiava nos americanos porque achavam que estavam lá para cuidar deles”, disse Ariana Tibon, especialista em educação na Comissão Nuclear Nacional no atol de Majuro, em entrevista ao Facing South.

Mas isso não era verdade, porque o governo americano os descartou assim que as atividades nucleares nas Ilhas Marshall foram encerradas. Em 1972, durante uma sessão no Congresso da Micronésia, o político Ataji Balos disse que a Comissão de Energia Atômica (AEC) dos EUA expôs o povo ilhéu propositalmente à radiação para que pudessem desenvolver e aprimorar capacidades médicas para tratar aqueles expostos durante uma possível guerra nuclear. E que os marshalleses foram escolhidos por não serem brancos e pelo seu status marginalizado nos EUA e no mundo.

Um prospecto do Programa Castelo Bravo foi encontrado e exposto em 1994, mostrando que o escopo da operação já incluía a seção do Projeto 4.1, mostrando que o estudo dos efeitos radioativos foi algo premeditado pela AEC. O governo americano, porém, alegou que essa seção foi inclusa depois no documento, mas não usou nada para comprovar isso.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Em 1988, o governo marshalês formou um tribunal de reivindicações nucleares com financiamento americano para pagar indenizações às vítimas de radiação e àqueles que continuavam sofrendo com o pós-tratamento. Os EUA, no entanto, nunca financiaram adequadamente o tribunal e, em 2006, a verba simplesmente parou de entrar. Até então, o tribunal havia pago US$ 91,4 milhões a quase 2 mil feridos pelos testes, dois terços dos quais tinham doenças da tireoide.

Atualmente, em média a cada dois dias, pacientes com câncer procuram o tribunal buscando subsídio para custear seu tratamento. Eles são orientados com palavras evasivas das únicas funcionárias restantes sobre o motivo de não poder ajudá-los.

E 77 anos após o início dos testes nucleares e dos experimentos do Projeto 4.1, os EUA ainda não desclassificaram todas as informações sobre as atrocidades e as consequências de sua estadia de 12 anos nas Ilhas Marshall. Para piorar, esse povo ainda é mantido à margem e manipulado como se fossem os vilões, não as vítimas.

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