Ciência
04/01/2025 às 21:00•2 min de leituraAtualizado em 04/01/2025 às 21:00
No começo da década de 1960, os computadores estavam longe de ser os dispositivos elegantes que conhecemos hoje. Eram máquinas enormes, pesadas e de difícil operação. Mas, em 1961, um desses gigantes fez algo surpreendente: cantou uma música pela primeira vez. O IBM 7094, do Bell Labs, deu voz à clássica canção Daisy Bell e, com isso, entrou para a história da tecnologia e da cultura pop. O som robótico e um tanto assustador dessa gravação pioneira continua intrigando até os dias de hoje.
Essa inovação não foi apenas um feito técnico. Ela abriu portas para a criação de vozes digitais e influenciou até mesmo a ficção científica. Arthur C. Clarke, escritor britânico de sci-fi, ficou tão impressionado com a performance que a incorporou em uma das cenas mais memoráveis do cinema. O feito do IBM 7094 mostrou que as máquinas poderiam ter "personalidade" — e também ser fonte de pesadelos tecnológicos.
O experimento foi conduzido pelos pesquisadores Carol Lochbaum e John Kelly, que estavam desenvolvendo uma nova forma de sintetizar vozes humanas no Bell Labs. Eles utilizaram o IBM 7094, um dos computadores mais poderosos da época, para dar voz à canção Daisy Bell (A Bicycle Built for Two), um clássico de 1892. A escolha dessa música pode ter sido uma brincadeira com o nome do laboratório, mas o resultado ficou longe de ser leve e divertido. Com seu tom robótico e monocórdico, a performance acabou ganhando um ar sinistro.
Para completar o experimento, o engenheiro Max Mathews criou uma trilha instrumental eletrônica para acompanhar a voz sintética. A tarefa foi trabalhosa: como não existia a tecnologia de áudio em tempo real, Mathews precisou gravar horas de som e depois acelerar as fitas para criar apenas 17 segundos de melodia. Um trabalho minucioso, mas que valeu a pena pela inovação histórica que representou.
Em 2009, a gravação foi reconhecida oficialmente e entrou para o Registro Nacional de Gravações da Biblioteca do Congresso dos EUA. Segundo Cary O'Dell, em ensaio sobre o feito, “por padrões atuais, a versão do IBM 7094 soa bem primitiva. Mas essa junção de música e máquina foi um salto corajoso para um novo mundo”.
Essa experiência revolucionária não ficou restrita aos laboratórios de pesquisa. Ela chegou até Arthur C. Clarke, que visitou o Bell Labs e presenciou a performance ao vivo. Anos depois, Clarke e o diretor Stanley Kubrick usaram Daisy Bell na icônica cena do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Quando HAL 9000, o computador da nave, está sendo desligado, ele canta a música em uma voz que vai se tornando cada vez mais incoerente, mostrando um lado melancólico da inteligência artificial.
A escolha não foi à toa. A cena captura perfeitamente o medo e o fascínio de uma era que começava a conviver com máquinas "pensantes". A ideia de uma máquina cantando enquanto é desativada continua sendo um símbolo poderoso do que a tecnologia pode alcançar — e do que ela pode nos tirar.
Hoje, Daisy Bell vive uma nova vida na internet. Vídeos da versão original são compartilhados por criadores de conteúdo e viralizam facilmente. O som robótico de 1961 ainda é capaz de causar calafrios, mostrando que, mesmo na era digital, a voz do IBM 7094 não perdeu seu impacto.