Ciência
04/12/2024 às 06:00•2 min de leituraAtualizado em 04/12/2024 às 06:00
Por mais de dois milênios e meio, uma estátua solitária chamada Arslan Kaya, ou “Rochedo do Leão”, guardou um enigma na região central da Turquia. O monumento, datado de 2.600 anos atrás, já foi adornado com esfinges, leões e deusas, mas o tempo e a ação de caçadores de tesouros reduziram a estrutura a formas quase irreconhecíveis. Na base, uma inscrição desgastada permaneceu um mistério, considerada por muitos como impossível de ser decifrada.
Essa visão mudou graças ao trabalho de Mark Munn, professor de História e Arqueologia da Grécia Antiga na Penn State. Usando fotografias recentes e comparando-as com registros anteriores, Munn conseguiu o que parecia impensável: identificar o texto perdido. Segundo ele, trata-se de uma dedicação a "Materan", o nome ou título da deusa mãe conhecida como Matar, figura central na antiga Frígia.
O achado é significativo porque, embora existam outros monumentos frígios dedicados à deusa Matar, Arslan Kaya é único. É o único registro conhecido onde a figura da deusa foi esculpida diretamente no monumento, acompanhada de uma inscrição que a nomeia. “Nenhum dos monumentos maiores tinha uma imagem esculpida da Mãe ou inscrições diretamente associadas a ela”, explicou Munn ao ArtNet.
A deusa Matar aparece em outros monumentos frígios, como o Areyastis, a cerca de 40 quilômetros de Arslan Kaya. Nesses casos, o nome da deusa vinha acompanhado de epítetos que forneciam pistas sobre sua adoração. Apesar do tempo e da destruição terem apagado muito do texto original, Munn acredita que Arslan Kaya também continha uma inscrição mais longa, possivelmente detalhando quem ergueu o monumento e conferindo à deusa um título especial.
Essa descoberta não só ilumina aspectos da religiosidade na antiga Frígia, como também abre portas para uma melhor compreensão da língua frígia, ainda pouco estudada. “Qualquer nova evidência é de grande interesse para estudiosos de línguas e culturas antigas da Anatólia”, destacou Munn.
O segredo para decifrar o texto estava na luz. Como Munn apontou, “muito depende da favorabilidade da luz ao tirar fotografias”. Com as condições certas, as marcas desgastadas da pedra puderam ser vistas com maior clareza. A partir disso, ele trabalhou para determinar quais letras foram gravadas há milhares de anos, concluindo que a inscrição fazia referência à deusa que uma vez ocupou o nicho esculpido no monumento.
Além do avanço técnico, o trabalho de Munn ilustra o poder da paciência e da tecnologia na arqueologia. Fotografias modernas e métodos de análise comparativa permitiram revisitar um local estudado pela primeira vez em 1884 e revelar detalhes antes considerados perdidos. Agora, Arslan Kaya não é apenas uma pedra antiga, mas um testemunho vibrante da devoção a uma das figuras mais importantes da antiga Anatólia.
Mesmo com a decifração parcial, o monumento e suas inscrições continuam a instigar perguntas. O que mais essas inscrições podem revelar sobre as crenças e estruturas sociais da Frígia? Enquanto isso, a deusa Matar, tão importante para seu tempo, volta a ocupar o lugar de destaque na história que um dia perdeu.