Ciência
19/02/2023 às 10:00•3 min de leitura
De acordo com o Novo Testamento, uma coroa de espinhos foi colocada sobre a cabeça de Jesus Cristo durante a Paixão, enquanto ele carregava sua cruz. Feita com espinhos grandes e pontudos, de plantas típicas do Oriente Médio, ela era mais uma forma de lhe causar dor — e de "tirar sarro" de suas falas sobre ser o filho de Deus e o Rei dos Judeus.
Nenhum dos quatro evangelhos canônicos conta com exatidão o que aconteceu com a coroa depois que Jesus foi crucificado. Mas, desde a Idade Média, uma coroa que os cristãos creem ser exatamente a mesma usada pelo Messias é objeto de adoração.
Hoje, ela é guardada em segurança, como uma relíquia, no Museu do Louvre, em Paris. Mas ao longo dos séculos, ela sobreviveu a guerras, revoluções e catástrofes. Entenda como isso tudo foi possível.
Coroa de espinhos em seu relicário (Fonte: Wikimedia Commons)
A coroa de espinhos está no Louvre desde o catastrófico incêndio que destruiu grande parte da Catedral de Notre-Dame de Paris, em 2019. A famosa igreja abrigava a relíquia cristã desde a Revolução Francesa — e sua transferência é bastante simbólica.
Isso porque, antes da queda da Bastilha, a coroa ficava em La Sainte-Chapelle (a capela santa), de uso particular dos reis franceses. Ela também era uma espécie de museu real, que guardava uma infinidade de relíquias cristãs — mas a maioria dos fiéis não podia acessar. Então, transferir a coroa de Notre-Dame foi uma maneira de permitir a adoração geral.
Mas se a Paixão de Cristo aconteceu em Israel, como a coroa foi parar na França? Na verdade, como dito, os evangelhos não explicam o que ocorreu com ela após a crucificação de Jesus. E, desde então, a coroa foi transferida algumas vezes.
São Paulino de Nola, em 409 d.C., é o primeiro cristão que instrui os fiéis a adorarem a coroa de espinhos — símbolo da Paixão de Cristo — em uma basílica no Monte Sião, em Jerusalém.
Nos séculos seguintes, outros textos religiosos atestam que a coroa ficava em Jerusalém. Mas há poucos registros sobre sua localização desde o cerco de 636 à cidade. Os relatos voltam a ser mais precisos no século X, quando a coroa já está em Constantinopla — não se sabe, com exatidão, como e quando essa transferência aconteceu.
Estátua de Luís IX em La Sainte-Chapelle (Fonte: Wikimedia Commons)
A viagem de Constantinopla para Paris é mais conhecida. Ela aconteceu porque o imperador Balduíno II precisava de dinheiro.
Ele usou a coroa de espinhos como garantia de um empréstimo contraído de ricos mercadores de Veneza. Então, o rei Luís IX, parente distante de Balduíno, aceitou pagar a dívida para que a coroa fosse devolvida. Ao preço de 13.134 moedas de ouro, reza a lenda que essa foi a relíquia mais cara da história — mais que qualquer obra de arte.
Luís IX, um fervoroso cristão, construiu La Sainte-Chapelle para abrigar a coroa de espinhos de Jesus. Ele a trouxe para Paris com toda pompa, numa cerimônia religiosa, em 1239. Esse é um dos primeiros relatos que estimularam a canonização de Luís, o único rei francês considerado santo, alguns anos após sua morte em 1270.
Depois disso, descendentes de Luís começaram a tirar espinhos da coroa para presentear seus amigos e aliados — eram os presentes mais valorizados da época. Hoje, espinhos avulsos são guardados em relicários em coleções de arte sacra por todo o mundo.
Logo após a Revolução Francesa, a coroa de espinhos foi exposta em Notre-Dame e nenhum outro pedaço foi retirado. Ela fica guardada em um relicário de cristal e ouro, e sobreviveu às várias batalhas que aconteceram em Paris, desde então — como as duas guerras mundiais.
No incêndio de 2019, conta-se que o padre Jean-Marc Fournier montou uma grande operação de resgate junto com os bombeiros parisienses para salvar as relíquias da Catedral. Passando de mão em mão, a coroa foi um dos primeiros artefatos retirados das chamas.