Videotexto: o esquecido ancestral da internet nos anos 1980

03/06/2023 às 05:003 min de leitura

A internet (mais ou menos) como conhecemos hoje chegou ao Brasil em 1995, ainda por um computador de mesa e com a linha telefônica de casa, mas já com os domínios "www." Inclusive, a novela das 20h que estreou em novembro do mesmo ano, Explode Coração, contava a história de um casal que se conhecia pela internet, com tom de novidade. 

Entretanto, mais de 10 anos antes disso, nós também tivemos um “ancestral” da internet, que é pouquíssimo conhecido hoje em dia: o Videotexto

Antes do Videotexto, o projeto Ciranda e Minitel

Exemplo de Teletexto da BBC inglesa. (Fonte: Wikimedia Commons)Exemplo de Teletexto da BBC inglesa. (Fonte: Wikimedia Commons)

As primeiras ideias começaram a ser desenvolvidas no final dos anos 1970, dentro da Embratel (a empresa estatal de telecomunicações), como projeto Ciranda. Este pretendia ser um tipo de comunidade virtual para reunir todos os brasileiros, quase como as redes sociais de hoje.

Mas, como explicado no podcast Primeiro Contato, você precisava ter um computador para acessar o Ciranda — e era muito difícil comprar um computador no Brasil dos anos 1980, com as importações proibidas. Além disso, a mensalidade do serviço custava o equivalente a R$ 69 e todo o conteúdo dependia da própria Embratel, que não conseguiu mantê-lo atualizado. 

Então, o Ciranda alcançou pouco mais de 2 mil assinantes no Brasil antes de ser cancelado, poucos anos depois. Mais ou menos nessa época, a Europa experimentava outro formato de conexão: o teletexto, que usava a televisão e o sinal de telefonia para transmitir informações.

Bernard MARTI/Wikimedia CommonVideotexto em uma televisão. (Fonte: Bernard MARTI/Wikimedia Commons)

Na França, o Minitel foi lançado em 1982 e se tornou um sucesso. Os franceses compravam — ou ganhavam do governo — pequenos aparelhos com uma tela em preto e preto, além de um teclado. Por ele, podiam acessar as notícias do dia, os preços das ações na bolsa, previsão do tempo, serviços bancários e até compras. 

Ele foi tão popular na França que até atrapalhou a chegada da internet por lá: no final dos anos 1990, metade das pessoas usavam o Minitel, mas a rede mundial só chegava a 20% do lares. Os serviços só foram descontinuados em 2012. Em outros países da Europa que usaram soluções semelhantes, ainda é possível ler as notícias "online" pela televisão — Portugal, Hungria e Itália ainda possuem alguns serviços de teletexto, mantidos por redes de televisão. 

O início — e o fim — do Videotexto no Brasil 

O formato do Minitel/Videotexto não continha imagens ou vídeos. (Fonte: Twitter/Reprodução)O formato do Minitel/Videotexto não continha imagens ou vídeos. (Fonte: Twitter/Reprodução)

Aqui no Brasil, o Videotexto chegou através da Telesp — estatal de telecomunicações de São Paulo —, que se inspirou no projeto francês do Minitel. 

Para usar o Videotexto, você precisava comprar um kit da Telesp contendo um modem, que conectava sua TV à "rede", e um teclado. Os funcionários da Telesp iam até a casa dos clientes para fazer a instalação e, depois disso, você podia acessar as informações. 

Contudo, embora a televisão já fosse relativamente popular no Brasil (presente em 14 milhões de lares), uma linha de telefone era bem menos acessível (apenas em 3 milhões de lares). Se você não viveu esse tempo, pergunte para seus pais ou avós: era mais fácil ter um carro do que um telefone em casa. Por isso existiam tantos orelhões (telefones públicos) nas ruas. 

A Telesp até tentou fazer algo parecido com o Videotexto, instalando 23 terminais em lugares públicos do estado — que acabaram sendo apelidados de "olhões". Porém, isso estimulou um preconceito: apenas crianças, geralmente pobres, usavam os olhões para acessar jogos. Então, eles eram mal vistos por muitas das pessoas que tinham dinheiro para adquirir o serviço. 

Catálogo das Artes/ReproduçãoVideotexto brasileiro. (Fonte: Catálogo das Artes/Reprodução)

Em 1983, eram pouco mais de mil clientes. Em maio de 1986, pouco mais de 30 mil assinantes tinham acesso ao Videotexto, que começava a ser oferecido em outros estados do Brasil. Eram poucas pessoas para dar lucro às empresas que tentaram oferecer serviços na plataforma: jornais, bate-papo, serviços bancários e até compras. 

Das cerca de 90 empresas que ofereciam serviços na plataforma, apenas 6 tinham lucro. Logo, o sistema entrou num ciclo vicioso: as pessoas não usavam o Videotexto pela falta de serviços e as empresas não investiam pela falta de usuários. 

Mas quem usava, parecia curtir muito. O Videopapo, um bisavô das redes sociais, era o serviço mais popular. Em São Paulo, os "videopapistas" até organizavam festas para se conhecerem na vida real, depois de conversar pelo serviço. Isso já nos anos 1980. 

Um serviço pioneiro, mas esquecido

Wikimedia CommonsVersão de 1985 do Minitel. (Fonte: Rama/Wikimedia Commons)

No final da década de 1980, quando o Videotexto nem tinha "pegado" no Brasil, a Internet começava a dar seus primeiros passos nos Estados Unidos, com redes entre universidades. Além disso, empresas privadas começaram a oferecer redes particulares de computadores — os serviços de BBS, que conectavam algumas centenas ou milhares de usuários. 

Como dissemos no início, a rede mundial de computadores chegou no Brasil em 1995 e se popularizou ao longo da década seguinte. O Videotexto foi descontinuado oficialmente pela Telefônica — que comprou a Telesp — em 2003, com uma notinha de rodapé num jornal. A realidade é que pouca gente sequer se lembrava que o serviço tinha existido. 

Hoje, é até difícil encontrar informações sobre o que foi o Videotexto e como ele funcionava. Mas a verdade é que ele foi um serviço pioneiro: de certa forma, os brasileiros tiveram acesso aos serviços digitais antes de outros países desenvolvidos. Em 1983, você podia acessar sua conta bancária de casa, fazer compras em lojas virtuais e conhecer pessoas à distância. Tudo pelo Videotexto, esse "ancestral" da internet.

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