Corrupção e doença: o aumento nos partos cesáreos é uma preocupação global

07/09/2024 às 18:004 min de leituraAtualizado em 07/09/2024 às 18:00

Segundo a Organização das Nações Unidas (OMS), cerca de 385 mil bebês nascem a cada dia, somando mais de 140 milhões por ano, sendo que mais de 1 em cada 5 (21%) de todos os partos são cesarianas. O número deve continuar aumentando na próxima década, com quase um terço de todos os nascimentos por cesariana até 2030, segundo a pesquisa. Atualmente, a República Dominicana, Brasil, Chipre, Egito e Turquia têm as maiores taxas de cesarianas, superando os partos vaginais.

A OMS relatou que é esperado que as nações das regiões com menor riqueza e menos acesso a cuidados médicos realizem partos cesáreos cada vez mais, sendo que o aumento das taxas globais, de 7% em 1990 para 21% hoje, supera a taxa ideal, que é de cerca de 10% a 15%. Isso é um problema porque atrai piores resultados de saúde e taxas de mortalidade materna e fetal mais altas.

Globalmente, o aumento de partos cesáreos significa uma crise porque nem todos são feitos por razões médicas, mas sim por métodos não indicados clinicamente, como a chamada "cesariana a pedido materno". Associado a isso, também encontramos a coerção das políticas institucionais da iniciativa privada na tomada de decisão das mães. E isso tudo é um problema que não para de se agravar.

Nascendo à força

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Segundo a Organização das Nações Unidas, é esperado que 29% dos nascimentos anuais de bebês seja por cesariana até 2030. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

O parto cesáreo se faz necessário em situações em que a mulher apresenta quadro de gravidez de risco ou em casos de complicações que surgem durante o trabalho de parto, como trabalho de parto prolongado ou obstruído, sofrimento fetal ou posição anormal do bebê, dificultando o parto vaginal e colocando a mãe ou o feto em risco. Fora isso, não.

Em "Intervenções para reduzir cesarianas desnecessárias em mulheres e bebês saudáveis”, publicado por um grupo de pesquisadores na revista The Lancet, podemos ver que as mulheres ainda acreditam que cesarianas são mais saudáveis e seguras do que um parto vaginal, apesar das evidências científicas dizerem o contrário. Dores do parto, preocupações com danos ao assoalho pélvico e até mesmo os efeitos negativos nas relações sexuais após o puerpério afastam as mães de um parto vaginal. Ainda, algumas pacientes escolhem a cesariana para controlar a data do parto, fazer laqueadura ao mesmo tempo, ou devido a uma experiência negativa com o parto vaginal.

No entanto, a cesariana está mais associada a um maior risco de mortalidade materna, lesão do trato ureteral e vesical, placenta prévia, morte fetal, ruptura uterina em gestações futuras, histerectomia, dor abdominal e morbilidade respiratória neonatal. O tempo de recuperação é mais lento após o parto, fora atrasos no estabelecimento da amamentação, infecções, e aumento da probabilidade de complicações em gestações futuras, como placenta acreta.

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É recomendado que partos cesáreos sejam feitos apenas em situações de risco para o feto e a mãe. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Durante cesarianas, o bebê fica exposto a uma série de complicações desnecessárias de curto e longo prazo, aumentando suas chances de desenvolver diferentes Doenças Não Transmissíveis (DNTs) e condições imunológicas. Embora essa ligação permaneça controversa, estudos epidemiológicos previram que o parto cesáreo está associado à asma, alergias alimentares, diabetes tipo 1 e obesidade. 

Foi demonstrado que os bebês de parto vaginal adquirem uma variedade de microrganismos responsáveis por aumentar e preparar a imunidade do bebê, enquanto os nascidos por cesárea adquirem microrganismos menos diversificados, semelhantes à pele materna e ambientes hospitalares, com maior risco de desenvolver infecções.

Apesar disso, como apontou o estudo da The Lancet, a mídia de alguns países continua apresentando uma imagem do parto cesáreo como algo elegante, confortável e mais seguro do que o vaginal. É verdade que cesarianas salvam vidas, mas isso acontece na mesma proporção que põem em risco o parto de uma gravidez saudável.

Dinheiro vs. vida

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
O Brasil tem uma taxa geral de cesariana acima de 50%.(Fonte: Getty Images/Reprodução)

O Brasil tem uma taxa geral de cesariana acima de 50%, com impressionantes 80% a 90% dos bebês nascidos no setor privado por cesariana, em comparação com 30% a 40% daqueles nascidos no setor público.

O dinheiro está fortemente associado a esses números, como também acontece em outros países onde as taxas são maiores do que no Brasil. Os hospitais privados são incentivados a convencer mães a optarem por cesarianas porque são mais lucrativas para a instituição do que partos vaginais.

Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), o valor médio de uma cesárea particular em 2023 era de cerca de R$ 15 mil, podendo variar dependendo das escolhas, preferências, profissionais e a UTI neonatal. Já para um parto normal, o valor fica entre R$ 2 mil e R$ 4 mil.

Ao podcast da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), a professora Simone Diniz, do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade, disse que o alto número de cesarianas no Brasil também está relacionado a uma questão cultural importante. 

“A assistência ao parto tem sido descrita como abusiva e violenta. Muitas mulheres acreditam que a cesárea é uma forma de escapar dessa experiência negativa”, observou ela.

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Os hospitais privados são incentivados a convencer mães a optarem por cesarianas porque são mais lucrativas do que partos vaginais. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Publicado em 2019, outro estudo da The Lancet que analisou dados de 12 milhões de gestações mostrou que as mortes maternas após cesarianas em países em desenvolvimento, como o Brasil, são 100 vezes maiores do que em países desenvolvidos, com até um terço de todos os bebês morrendo.

"Os resultados para as mulheres em países de baixa e média renda são muito piores do que esperávamos", disse o primeiro autor do estudo, o Dr. Soha Sobhy, da Queen Mary University of London. "Na África Subsaariana, uma em cada 100 mulheres que faz uma cesariana morrerá. Isso é 100 vezes mais do que as mulheres no Reino Unido. Os resultados para seus bebês são ainda piores, com 8% deles não sobrevivendo por mais de uma semana."

Espera-se que a tendência nas cesarianas aumente em muitos países, trazendo consequências graves para a saúde. Países de baixa e média renda precisam de incentivos financeiros para trabalhar com e não contra os cuidados maternos e neonatais, além de que é preciso que os formuladores de políticas e profissionais de saúde promovam o uso adequado do procedimento, melhorem o acesso a cirurgias de qualidade e intraparto, diminuam a desinformação e desarticule um lobby que brinca com a saúde humana visando o lucro.

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