Há 30 anos, um hacker invadia a transmissão de TV em dois canais dos EUA

25/11/2017 às 07:003 min de leitura

Não é difícil ver filmes em que ativistas ou malucos de todas ordens invadem transmissões de televisão para passar uma mensagem ou simplesmente tirar onda. O mais louco, contudo, é saber que isso já aconteceu de verdade lá nos Estados Unidos. Há 30 anos, em 22 de novembro de 1987, dois canais de televisão da cidade de Chicago tiveram os sinais sequestrados e seus espectadores presenciaram um evento bizarro.

Enquanto a normalidade da transmissão não era reestabelecida, quem assistia aos canais WGN e WTTW foi surpreendido pela invasão de um sujeito trajando uma máscara. Em um dos canais, a transmissão ficou no ar durante pouco mais de 20 segundos. Já no outro, ela alcançou 90 segundos e foi um minuto e meio de um máscarado falando uma série de coisas aparentemente sem sentido.

Max Headroom?

A máscara usada pelo hacker que aparecia diante das câmeras era de Max Headroom, uma "inteligência artificial fictícia" britânica criada em 1984 por George Stone, Annabel Jankel e Rocky Morton e interpretada por Matt Frewer. O personagem debutou no filme "Max Headroom: 20 Minutes into The Future", em 1985, e depois ganhou o programa de música The Max Headroom Show, tornando-se “o primeiro apresentador de TV gerado por computador do mundo”.

Ele teve ainda outros programas, dentro os quais a série dramática chamada "Max Headroom", transmitida no Brasil pelo extinto canal Manchete.

Headroom tinha um ar meio sinistro e as suas falas eram entrecortadas por repetições, tudo isso diante de um fundo repleto de linhas se movimentando, um cenário daqueles primeiros saltos tecnológicos do audiovisual nos anos 80. O resultado final era o de um programa bizarro e divertido que naturalmente se assemelhava a uma transmissão hacker de um futuro distópico.

Max Headroom experimentou um sucesso considerável durante os anos 80, chegando inclusive a protagonizar propagandas da Coca-Cola. E talvez todo esse contexto cyberpunk, transgressor e tecnológico tenha sido decisivo para a escolha de Max Headroom para ser a cara dos sequestradores do sinal das redes de TV de Chicago.

Primeira aparição

A primeira invasão dos hackers no dia 22 de novembro de 1987 aconteceu por volta das 21h30, durante a exibição do jornal The Nine O’Clock News, da WGN. Enquanto o noticiário exibia uma matéria sobre a vitória do time de futebol americano Chicago Bears, a tela escureceu e ficou muda por alguns segundos, até que alguém emergiu equipado com a máscara de Max Headroom.

O sinal estava ruim e as imagens se pareciam com as de uma fita cassete sem ajuste de tracking. Um ruído sonoro tornou impossível escutar qualquer coisa que o hacker pudesse ter dito e ele apenas se balançou diante de um fundo que possivelmente se tratava de uma porta de loja girando digitalmente.

A transmissão pirata foi rápida e durou pouco mais de 20 segundos, quando a emissora de televisão retomou o controle. O âncora Dan Roan se mostrou surpreso, sem ideia do que acabava de acontecer. “Se você está imaginando o que acabou de acontece, eu também estou.”

Duas em sequência

A segunda aparição de Max Headroom aconteceu duas horas mais tarde e foi ainda mais bizarra. O canal WTTW exibia um episódio da série “Dr. Who” quando a invasão tomou a tela. Apesar do áudio estático, é possível compreender basicamente tudo o que hacker mascarado fala, e ele solta diversas frases aparentemente desconexas.

A exibição começa com o protagonista afirmando “ser melhor” do que Chuck Swirsky, um comentarista esportivo da WGN a quem ele define como “um maldito liberal”. Max segura uma lata de Pepsi para satirizar o fato de que o personagem era garoto-propaganda da Coca- Cola e até fala o slogan do refrigerante à época: catch the wave (“siga a onda”, em tradução livre).

Max balbucia o tema de abertura da série “Clutch Cargo”, mostra o dedo e depois veste uma luva que se assemelha à clássica luva utilizada por Michael Jackson. “Meu irmão está usando a outra”, disse o hacker, “ela está suja, é como se estivesse manchada de sangue”, prossegue, logo antes de retirar o acessório. Na sequência, ele tira a máscara com o rosto fora de quadro e, então, uma mulher vestida de empregada aparece (também sem mostrar o rosto) e começa a bater com um mata-mosquitos na bunda desnuda de Headroom.

Enquanto “apanha”, Max grita “eles estão vindo me pegar” e a transmissão é encerrada logo em seguida. No instante seguinte, a WTTW volta a transmitir o episódio de “Dr. Who”.

Na (inútil) busca dos hackers

À época, os engenheiros dos canais afirmaram se tratar de algum “brincalhão” munido de algum equipamento bastante caro, a única maneira possível de se infiltrar em transmissões dessa forma. As emissoras vasculharam seus estúdios em busca de algum possível envolvido no acontecimento, mas nada foi encontrado.

O assuntou tomou a imprensa e as discussões nos EUA. O próximo passo foi levar a questão às autoridades. “Nós consideramos isso um assunto sério”, declarou em entrevista na época Maureen Peratino, o diretor de relações públicas da FCC, órgão regulamentador das telecomunicações nos EUA.

O evento devolveu às empresas de TV a preocupação com esse tipo de ação. Isso porque menos de dois anos antes a HBO foi vítima de invasão semelhante, mas um equívoco do hacker na hora de selecionar os aparelhos usados na interceptação da transmissão fez com que ele fosse facilmente identificado e capturado pela polícia. Depois disso, uma lei específica estabelecia multa de US$ 10 mil e até um ano de prisão como punição para hackers de TV.

Apesar dos esforços do FBI e da FCC para tentar descobrir quem estava por trás da máscara naquela noite há 30 anos, ninguém jamais foi identificado. Os responsáveis pelo chamado Incidente Max Headroom permanecem incógnitos até agora e a autoria dos “ataques” nunca foi assumido. Nessa altura, é pouco provável que esse mistério seja solucionado algum dia.

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