Ciência
31/05/2018 às 08:00•2 min de leitura
Não faz muito tempo que Pharrell Williams cantava em praticamente todas as rádios por aí que nada poderia abalá-lo porque ele era feliz. Com um clima tão “pra cima”, uma batida dançante e muito fácil de acompanhar com palmas e estalar de dedos, era difícil “Happy” não contagiar quem quer que a estivesse ouvindo. Assim, não foi à toa que a música ficou em primeiro lugar na parada do Reino Unido em 2014.
Contudo, a alegria de “Happy” — e de outros singles que ficaram no topo das listas, como “Uptown Funk”, em 2015 — não é a regra do pop atualmente. De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Irvine e publicado no periódico Royal Society Open Science, as canções do gênero têm ficado cada vez mais tristes com o passar dos anos.
Para o estudo, foram analisadas milhares de músicas lançadas no Reino Unido, entre 1985 e 2015, que ficaram na parada de sucesso “UK Top 100”, um dos rankings feitos pela Official Charts Company. Também foram usados dados das bibliotecas online MusicBrainz e AcousticBrainz.
Os pesquisadores avaliaram características como tom, clima, tempo e “dançabilidade” das canções, classificando-as como alegres ou tristes; tonais ou atonais; agressivas ou relaxadas; eletrônicas ou não; acústicas ou não — entre outras categorias. Como o objetivo do trabalho não era apenas detectar as tendências do pop, mas investigar o que faz um hit de sucesso, essas características foram relacionadas à popularidade de cada composição analisada.
A conclusão foi que, nos últimos 30 anos, o otimismo do pop “de antigamente” vem dando lugar à melancolia e a um foco muito grande no “eu”. “Em particular, foi relatado que as letras das músicas famosas agora incluem mais palavras relacionadas ao egocentrismo (por exemplo, pronomes da primeira pessoa do singular), menos descrevendo companheirismo e contato social (como pronomes de primeira pessoa do plural) e mais termos antissociais (e.g., 'odeio', 'mate', etc.)”, escrevem os autores, que explicam ainda que essas descobertas vão ao encontro de tendências coletivas que incluem maior solidão, isolamento social e psicopatologias.
Apesar disso, uma característica cada vez mais comum das músicas pop é a “dançabilidade”, que está relacionada a aspectos como o predomínio da música eletrônica e o crescimento do número de canções atonais (sem um tom preponderante).
Outro achado considerado importante pelos pesquisadores é de que o estilo é muito mais “feminino” hoje; ou seja, há cada vez mais mulheres lançando e obtendo sucesso com seus hits. “Isso é particularmente interessante considerando o debate sobre o papel da mulher na indústria da música, sobretudo quando relacionado a questões de desigualdade de gênero, estereótipos e a sexualização de cantoras”, eles afirmam.
Apesar de as músicas estarem “cada vez mais tristes”, não são as canções melancólicas que vão melhor nos charts. Depois de relacionar as características das peças analisadas ao seu grau de popularidade, os pesquisadores concluíram que ainda são as mais felizes que ficam mais famosas. Daí as conquistas de “Happy”, em 2014, e de “Uptown Funk”, em 2015.
Além disso, os maiores hits tendem a ter um timbre mais “alegre” e um “clima de festa” e serem mais “relaxados” e “dançáveis”. Segundo os autores, porém, não é possível afirmar que uma composição com todos esses atributos será popular, e o segredo do sucesso segue sem ser desvendado.