Estilo de vida
30/10/2018 às 08:00•3 min de leitura
Ao ligar o rádio, no domingo de Halloween de 1938, milhares de cidadão norte-americanos ouviram um alerta nacional, com o tom preocupado de um apresentador de notícias. “Os trechos que você vai ouvir na sequência são palavras do general de brigada Montgomery Smith, comandante da milícia estadual em Trenton, Nova Jersey.”
As criaturas estão usando uma misteriosa arma, que emite um raio de calor…
Em seguida, uma voz ainda mais grave comunica ações de evacuação. “Fui chamado pelo governador de Nova Jersey para manter os condados de Mercer e Middlesex, assim como ao longo do oeste de Princeton e leste de Jamesburg, sob lei marcial. Ninguém está permitido a transitar por essas áreas, exceto com uma autorização especial emitida pelo Estado ou por oficiais militares. Quatro companhias militares estão cobrindo de Trenton a Grover’s Mill e vão auxiliar na evacuação das residências na área das operações militares. Obrigado.”
Ao voltar para o estúdio, a descrição de um cenário assustador, com cerca de 40 corpos espalhados por todos os cantos. “Enquanto isso, chegam alguns detalhes sobre a catástrofe que acontece em Grover’s Mill. Após realizar um ataque mortal, estranhas criaturas estão voltando para suas covas”, diz o radialista, antes de interromper os relatos para um informe de última hora, com o cientista Professor Pierson. “As criaturas estão usando uma misteriosa arma, que emite um raio de calor…”
Esses são apenas alguns trechos de uma transmissão de rádio que durou 57 minutos, no dia 30 de outubro daquele ano. O que era para ser uma sessão de entretenimento, baseada no clássico livro de ficção científica “Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells, tornou-se um dos episódios icônicos da Era do Rádio — e de como a manipulação da linguagem e da informação se transformariam em pontos cruciais para o desenvolvimento da tecnologia nos anos que viriam em seguida.
Nessa época, Orson Welles ainda não era o prestigiado cineasta imortalizado pelo “Rosebud” de “Cidadão Kane” — outra obra que explora os fenômenos midiáticos que até hoje estão presentes diariamente nas telas de nossos smartphones.
Aos 23 anos, quando já atuava e tinha uma companhia de teatro, foi convidado pela rede de rádio Columbia Broadcasting System (CBS) a produzir episódios para as novelas radiofônicas exibidas em formato de antologia no programa The Mercury Theatre on the Air.
Orson Welles dirigindo o grupo na dramatização. Fonte: Smithsonian Magazine
Welles queria experimentar um diferente formato, e sua estreia foi arrebatadora. Ninguém imaginava que o que ele apresentaria seria uma história com uma narrativa tão próxima de uma verdadeira transmissão de plantão de notícias. E nem a mais criativa mente de sua época poderia pensar que o clássico “Guerra dos Mundos”, publicado 40 anos antes, seria adaptado dessa forma tão inventiva.
Embora muita gente tenha passado um aperto naquele domingo de Dia das Bruxas, houve certo exagero em dizer, nos anos seguintes, que todos os Estados Unidos ficaram aterrorizados. Esse mito criado em torno do episódio aos poucos foi caindo por terra, especialmente devido à possibilidade de a CBS e o próprio Welles serem acionados judicialmente por causar o caos em nível nacional.
Aliás, o próprio diretor se disse, posteriormente, arrependido de alguns elementos da narrativa e que jamais faria algo que pudesse machucar alguém — afinal, houve relatos de pessoas até mesmo pensando em suicídio ou em pânico, ameaçando outros ouvintes.
Fonte: YouTube/David Webb
Hadley Cantril, psicólogo da Universidade de Princeton, estima que 6 milhões de pessoas tenham ouvido essa versão de “Guerra dos Mundos”. Segundo ele, a maioria ficou com medo ou perturbada, mas em raros casos isolados houve indícios de transtornos por conta dessa transmissão.
Do total, apenas 1,2 milhão acreditaram que a história fosse real. Embora não seja tanto quanto disseram, a proeza de Welles foi notável — e podemos até dizer que foi um embrião das “fake news”, que, nesse caso, não tinha assim motivos tão sórdidos quanto os das atuais campanhas de desinformação.
Como dá para notar, os ecos do que aconteceu há 80 anos nessa transmissão de “Guerra dos Mundos” ainda podem ser vistos por aí. Esse episódio mostrou o potencial do rádio como difusor de ideias e moldador de conceitos e atmosferas — com um poder de alcance tão grande quanto um jornal e capaz de alterar emocionalmente a percepção das pessoas de um jeito que o impresso não havia contemplado até então.
Além disso, a manipulação da informação, como bem vimos nos recentes casos de eleições — não somente aqui, mas também nos Estados Unidos —, pode confundir ou criar cenários de uma forma que as pessoas realmente sintam dificuldade de discernir o que é fato, opinião ou fantasia. Essa experiência de Welles comprova isso muito bem, desde 1938.
Fonte: Smithsonian Magazine
E, depois disso, as linguagens do rádio, do cinema e da literatura nunca foram os mesmos. Eles passaram a interagir de maneiras cada vez mais criativas e inovadoras, incluindo mídias que viriam anos mais tarde. Por isso mesmo é que a “Guerra dos Mundos”, transmitida por Welles na CBS, sempre será lembrada como um marco da ficção científica e da tecnologia.
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Há 80 anos, Guerra dos Mundos aterrorizava os EUA e marcava a Era do Rádio via TecMundo