Estilo de vida
17/10/2019 às 12:30•3 min de leitura
O fulfude (também chamada de língua fulani ou fulani) é falado por até 60 milhões de pessoas, numa área que vai do Sudão ao Senegal e ao longo da costa do Mar Vermelho, incluindo 20 países. Os fulbhe, porém, nunca desenvolveram um alfabeto para a sua língua; em vez disso, usaram caracteres árabes e, às vezes, latinos, mesmo que muitos sons não tenham correspondência em nenhum dos dois alfabetos.
Os irmãos Abdoulaye e Ibrahima Barry cresceram em Nzérékoré, na Guiné. Era 1989 e os dois tinham 10 e 14 anos quando começaram a criar do nada um alfabeto que exprimisse com fidelidade a língua que eles falavam. O pai dos garotos, Isshaga Barry, era falante do árabe e ajudava amigos e parentes lendo cartas; quando ele estava ocupado ou cansado, a tarefa cabia a Abdoulaye e Ibrahima.
Abdoulaye lembra que “ler era difícil porque as pessoas usavam o som árabe mais aproximado para representar algo que não existe em árabe. Era preciso conhecer bem duas línguas – o fulfude falado e o árabe escrito – para conseguir decifrar o que estava escrito”. Então, ele e Ibrahima decidiram criar um alfabeto, combinando sons e formas.
Depois da irmã caçula, Aissata, aprender o novo sistema, Abdoulaye e Ibrahima montaram uma rede capilar de disseminação do alfabeto, ensinando pessoas nos mercados locais e pedindo a cada aluno que passasse o conhecimento a, pelo menos, mais três.
Além disso, começaram a verter livros e escrever publicações em ADLaM sobre a rotina da comunidade, como cuidados infantis e filtragem de água. Já na universidade, fundaram o grupo Winden Jangen – Fulfulde para continuar a difundir o sistema. Mas houve oposição a que o povo fulbhe aprendesse outra coisa que não francês ou árabe. Em 2002, Ibrahima ficou preso por três meses antes de emigrar para os EUA, onde Abdoulaye já morava.
O ADLaM se espalhou para além da Guiné, mas precisava alcançar o mundo virtual – o obstáculo era o Unicode, o padrão da indústria global de computação para texto, não compatível com o ADLaM. Os irmãos economizaram por um ano para contratar quem criasse um teclado e uma fonte para o novo alfabeto.
Com a incompatibilidade, o ADLaM foi inserido como uma camada sobre o alfabeto árabe. Sem a codificação correta, porém, o texto enviado se transformava em grupos aleatórios de letras árabes, se recebido por um dispositivo sem a fonte específica instalada.
Ibrahima começou a estudar caligrafia e, ao dar uma palestra sobre o ADLaM, fez contatos que o levaram a Michael Everson, um dos editores do padrão Unicode e gerente de programa da Microsoft. Com sua ajuda, Ibrahima e Abdoulaye montaram uma proposta para que o ADLaM fosse adicionado ao Unicode.
O ADLaM então, ganhou o nome pelo qual ficou conhecido. Até então, ele era chamado simplesmente de Bindi Pular, que significa “Escrita Pular”. ADLaM, sugestão de pessoas na Guiné que ensinavam a escrita, é um acrônimo formado pelas primeiras letras das palavras (escritas pelo novo sistema) que formam a frase “o alfabeto que impedirá a perda de um povo”. O Comitê Técnico Unicode aprovou o ADLaM em 2014 e ele foi incluído na versão 9.0, lançada em junho de 2016.
Mas os irmãos perceberam que o trabalho ainda não havia acabado: o ADLaM precisava também ser suportado pelos principais sistemas operacionais (PC e mobile). A Microsoft trabalhou para desenvolver um componente ADLaM para Windows e Office dentro da fonte Ebrima, que também suporta outros sistemas de escrita africanos.
O suporte ao ADLaM foi incluído na atualização do Windows de 10 de maio, permitindo que os usuários digitem e vejam o alfabeto no Word e em outros aplicativos do Office. O novo sistema também é suportado pelo sistema de tipos Kigelia, também da Microsoft, que inclui oito alfabetos africanos e será adicionado ao Office ainda este ano.
Ibrahima e Abdoulaye não sabem quantas pessoas no mundo já aprenderam o ADLaM; a conferência anual do ADLaM na Guiné teve 24 países, e há centros de aprendizagem na África, na Europa e nos EUA.