Estilo de vida
21/09/2021 às 06:30•2 min de leitura
Na madrugada de 14 de novembro de 1844, grupos de soldados negros, recrutados por tropas republicanas para fazer número na Guerra dos Farrapos (1835-1845), tornaram-se vítimas de uma das maiores traições da época, quando foram emboscados e assassinados violentamente pelo exército imperial no atual município de Pinheiro Machado, Rio Grande do Sul. Hoje, esses lanceiros estão apagados dos livros de história, mas tiveram seus legados respeitados por estudiosos após quase 200 anos do extermínio.
A Revolução Farroupilha, além de ser a rebelião mais longa do período regencial no Brasil, ganhou destaque por seu caráter extremamente violento, sendo causada pela revolta da elite gaúcha com os altos impostos cobrados pelo governo.
Para fazer frente ao Império, homens da província de São Pedro do Rio Grande do Sul passaram a recrutar forçadamente escravizados, visto que sem eles não havia números suficientes para fazer frente aos rivais. Foi então que começou uma caça de escravizados foragidos ou pertencentes aos adversários, com uma falsa promessa de alforria cedida ao fim da guerra.
(Fonte: TVE / Reprodução)
O recrutamento de soldados inspirados por desejo de liberdade conseguiu alcançar a marca aproximada de 10 mil escravos, algo em torno de praticamente metade do exército imperial. Os lanceiros negros, como passaram a ser conhecidos, também sofreram ameaças de 200 a mil chibatadas caso fossem capturados pelo Império, mas isso não os desmotivou a lutar por seus ideais, mesmo que não tivessem afinidade alguma com os republicanos.
No alto da campanha gaúcha conhecida como Cerro dos Porongos, um dos eventos mais violentos da guerra envolveu grupos de escravos que lutavam pelos republicanos e teve como causa a sugestão de uma guerra impossível de ser vencida. Em novembro de 1844, pouco mais de 100 lanceiros foram assassinados e capturados pelo Império, supostamente traídos pelo general David Canabarro, um dos líderes dos farrapos.
Segundo evidências históricas, Canabarro havia negociado uma anistia com imperiais, pois a proposta inicialmente oferecida pelo governo de Dom Pedro II não agradava boa parte dos líderes rebeldes, que viam a desistência como um fracasso vergonhoso. Assim, o general teria ofertado escravos para a Coroa, desarmando-os na véspera do ataque e concentrando grupos em um local de fácil emboscada.
(Fonte: TVE / Reprodução)
O tratado de paz foi anunciado em 28 de fevereiro de 1845, 4 meses após o massacre dos Porongos.
Mesmo em meio às atividades festivas da tradicional Semana Farroupilha, que celebra os ideais republicanos exaltados no conflito, a história dos lanceiros passa despercebida. De acordo com o historiador Jorge Euzébio Assumpção, isso ocorre porque "falar da traição contra os negros é desmitificar o gauchismo", gerando um desrespeito em relação à herança deixada por verdadeiros ideais de liberdade abolicionista.
Atualmente, pesquisadores e estudiosos de documentos históricos buscam incluir a história dos lanceiros ao lado das grandes conquistas dos movimentos negros, enquanto movimentos dos artistas Deivison Lima e Patrick Vitos, por exemplo, exaltam na forma de pintura o legado deixado pelos escravos emboscados, como no caso da parede exibida na Casa do Estudante Universitário (CEU II) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).