Ciência
01/11/2021 às 06:30•3 min de leitura
A fome é um triste retrato da pobreza no Brasil. Porém, mais do que se alimentar, as pessoas têm direito a uma alimentação saudável. Isso é a segurança alimentar, um direito fundamental, segundo a constituição do nosso país.
Uma alimentação saudável depende de uma certa quantidade de alimentos, como também de qualidade e variedade, incluindo todos os nutrientes necessários para a saúde. A alimentação também precisa ser regular, com comida suficiente para três refeições ao dia, pelo menos. Quando isso não é possível, temos a insegurança alimentar, tema cada vez mais em pauta no Brasil.
A insegurança alimentar também é chamada de "fome oculta". Isso porque a pessoa não está, necessariamente, passando fome, porque até tem o que comer. Porém, deixa de comprar vários alimentos, diminui a qualidade da comida ou faz refeições mais espaçadas, porque não pode comprar tudo como deveria.
"Você deixa de comer carne, por exemplo, e passa a comer miojo, superprocessados e ultraprocessados, para dar um pouco de energia", explicou José Graziano, ex-diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Em outras palavras, a pessoa até consegue "encher a barriga", mas a sua saúde continua sendo prejudicada.
Os especialistas classificam a insegurança alimentar em três níveis:
Muitas pessoas deixaram de comer carne, por exemplo, por causa dos preços muito elevados. (Imagem: Freepik)
Números divulgados pela FAO em 2021 dizem que 84,9 milhões de brasileiros estão em algum dos 3 níveis de insegurança alimentar — lembrando que todos são prejudiciais para a saúde e para o país em geral. Isso corresponde a 41% da população brasileira, ultrapassando até os índices da Venezuela, onde 33% das pessoas estão nessa situação.
Mas esses dados são referentes a 2017 e 2018, ou seja, de antes da pandemia e da escalada da inflação que todos percebemos nos últimos meses. Números da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) mostram que mais da metade dos brasileiros já está passando por algum tipo de fome — 116,8 milhões, em 2020. Estima-se que o Brasil voltou aos níveis de insegurança alimentar de 2004.
Como isso é possível, se o Brasil é um dos países que mais produz e exporta alimentos? Isso é uma parte do problema: a produção brasileira é voltada à exportação de commodities (como o milho e a soja), que se tornou ainda mais vantajosa com a desvalorização do real durante a pandemia. Os produtores preferem estocar carne em contêineres, por causa do embargo da China, do que vender no mercado interno. Faz sentido: é melhor para eles.
Para evitar essas distorções, o governo mantinha estoques reguladores na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Esses alimentos ficavam no Brasil e eram vendidos no mercado interno por preços mais baixos quando necessário. Porém, desde o governo de Michel Temer, esses estoques foram esvaziados. Agora, a atual administração quer privatizar a Conab, e seus armazéns continuam vazios. A FAO recomenda manter alimentos para três meses neles.
Mesmo que o agronegócio queira exportar tudo (ou quase tudo, com estoques reguladores), a agricultura familiar costumava fornecer alimentos para o mercado brasileiro: 70% de tudo que a gente come aqui vêm de pequenos produtores, mas várias políticas que fortaleciam esse setor também foram enfraquecidas nos últimos anos. Aí, muita gente que plantava feijão e arroz não teve opção, então começou a plantar milho e soja para exportar, com o objetivo de conseguir pagar as contas.
Desigualdade social é uma das causas da insegurança alimentar. (Imagem: Unsplash)
Essa escassez de alimentos no mercado interno fez do Brasil um dos países onde os preços subiram mais rápido na pandemia, segundo um estudo da Universidade de Oxford. O quilo do arroz ficou quase 70% mais caro, o do feijão-preto subiu 47% e o da carne aumentou cerca de 30%, só para citar alguns exemplos. Fora os aumentos que a gente vê todo dia no mercado.
Enquanto isso, o salário não subiu. Pelo contrário: a renda média do trabalhador diminuiu 10,2% no último trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado. Com isso, muitas famílias deixam de comprar carne e outros itens essenciais para a alimentação para comprar o que "enche a barriga" dentro do orçamento.
Como afirmou José Graziano: "No Brasil não falta comida, falta dinheiro para comprar alimentos". O governo pode diminuir a insegurança alimentar com programas de transferência de renda, o incentivo ao emprego, mas também com estoques reguladores e auxílios para a produção de alimentos — além de milho, soja e carne para a China.