Artes/cultura
22/12/2021 às 08:00•3 min de leitura
Era uma noite gelada de 4 de janeiro de 1965 quando o sargento do Exército dos Estados Unidos, Charles Jenkins, aos 24 anos, bebeu 10 cervejas no posto avançado de seu país, em Camp Clinch, ao longo da Zona Desmilitarizada (DMZ) da fronteira com a Coreia do Sul e do Norte.
Pelo visto, seus comandantes não perceberam seu cheiro de álcool e olhos marejados quando o concedeu permissão para liderar uma patrulha ao longo da fronteira. Naquela altura, seu plano já estava decidido. Corriam boatos pelo campo de que sua unidade, a 1ª Divisão de Cavalaria, seria mobilizada para se juntar à escalada da Guerra do Vietnã, mas ele sabia que não voltaria daquele conflito na selva, como 58 mil americanos não voltaram.
Charles Jenkins. (Fonte: National Post/Reprodução)
No que chama de “seu crime desprezível”, em sua biografia Comunista Relutante (2009), Jenkins acreditava que entraria na Coreia do Norte, renderia-se aos primeiros soldados que visse e pediria para ser levado à embaixada soviética. Então, seria uma simples questão de conseguir ser extraditado, cumprir pena de prisão e depois voltar para sua vida pacata na Carolina do Norte.
“Eu era tão ignorante. Não entendia que o país em que buscava refúgio temporário era literalmente uma prisão gigante e demente. Uma vez que alguém vai lá, quase nunca sai”, escreveu ele em seu livro.
Jenkins não só foi mantido no país por 40 anos, como também se tornou um símbolo ao lado dos demais desertores.
(Fonte: Foreign Policy/Reprodução)
Ele se juntou aos soldados James Joseph Dresnok, Larry Allen Abshier e Jerry Wayne Parrish no rol de desertores daquele ano ao cruzar a DMZ. Eles foram colocados no mesmo quarto e monitorados por guardas 24 horas.
Foi quando eles perceberam que aquela era a nova prisão deles, com 120 mil quilômetros quadrados, que os atos desesperados para fugir começaram. Os companheiros de Jenkins chegaram a roubar propriedades do governo norte-coreano e até cruzaram limites no país que desafiavam a morte, visando serem mortos de vez já que não se sentiam mais vivos, mas o governo tinha outro propósito para eles.
Joseph Dresnok. (Fonte: NK News/Reprodução)
Os soldados foram obrigados a ensinar inglês, fizeram trabalhos de tradução e passaram até 11 horas por dia estudando a doutrina do então líder Kim Il-sung, como acontece até hoje nas escolas norte-coreanas, mas isso não foi tudo. Como se a pressão de estar em um local do qual sabiam que não sairiam mais, eles sofreram todos os tipos de abuso físico e psicológico do exército, sendo forçados a aparentar estar saudáveis e felizes nos materiais de propaganda enviados para a DMZ.
Os desertores foram explorados de todas as maneiras pelo governo, a começar em propagandas para seduzir mais soldados americanos para o lado de lá da fronteira, para viverem em uma realidade puramente utópica e falsa, em um período em que a pressão e o medo entre os militares eram imensos.
(Fonte: Public Forum/Reprodução)
A voz de Dresnok, que cruzou a fronteira para a Coreia do Norte quando tinha apenas 21 anos, deprimido com sua vida familiar e sofrendo de outros problemas pessoais, foi usada no sistema de som público em toda a DMZ como uma forma de estabelecer uma conexão com seus antigos companheiros e empurrá-los através da fronteira. Sua voz falou sobre como eles conheceriam mulheres atraentes, desfrutariam de rações melhores e viveriam o melhor da vida, sem o medo de ir parar em outra guerra sangrenta.
Ele, assim como os demais, também foi usado na indústria cinematográfica do país para interpretar vilões americanos nas propagandas. Por seus papéis, eles atingiram o estrelato, ganhando milhares de fãs.
Entre os companheiros, Dresnok foi o único que nunca deixou o país que fez uma verdadeira lavagem cerebral nele. Ele acabou casando com uma romena sequestrada pelo governo e teve 2 filhos. Até sua morte, em 2016, Dresnok ainda se casou uma 3ª vez e sempre fez questão de reforçar que o país havia salvado a vida dele.
Já Jenkins foi embora para o Japão no início de 2000 com uma japonesa sequestrada pelos norte-coreanos para ensinar o idioma a seus espiões, assim que o governo fez um acordo para devolver muitas vítimas do século passado.
Ele foi julgado por deserção e teve sua tatuagem do Exército dos EUA cortada de seu braço por um médico, sendo ameaçado de morte em várias ocasiões. Jenkins permaneceu no Japão até sua morte, aos 77 anos, em 2017.