Estilo de vida
23/06/2022 às 12:00•3 min de leitura
Em uma realidade em que 7,26 bilhões de pessoas possuem um celular, o equivalente a 91,54% da população mundial, a necessidade de existir telefones públicos disponíveis em cabines ou em postes pelas ruas de vários países, é, no mínimo, desnecessária.
Pensando nisso que, desde 2015, o Conselho da Cidade de Nova York começou a remover as cabines telefônicas, chegando a coletar mais de 8 mil delas. No lugar, estandes com acesso à internet e tomadas seriam disponibilizados para facilitar ainda mais a vida do nova-iorquino sempre apressado e cada vez mais tecnológico.
A remoção da última cabine telefônica aconteceu na segunda-feira de 23 de maio de 2022, entre a Seventh Avenue e a 50th Street, no centro de Manhattan, após 122 anos de história, causando uma comoção pelo mundo inteiro.
Em 2001, o Brasil experimentou o auge com seus orelhões, cujo formato foi idealizado pela designer sino-brasileira Chu Ming Silveira, tendo mais de 1,38 milhões deles pelo país. Esse número caiu 86% desde o desligamento dos aparelhos, embora 768 mil orelhões estejam espalhados pelo Brasil, dos quais mais de 40 mil se encontram em São Paulo — ainda que muitos tenham sido tão vandalizados e praticamente destruídos.
O telefone público, no mundo inteiro, representou mais do que apenas um aparelho em uma época em que a tecnologia e os celulares não eram avançados o suficiente, tampouco estavam na mão da maioria —, ele transformou a sociedade de várias maneiras, principalmente nos Estados Unidos.
(Fonte: Time/Reprodução)
A história começou apenas 4 anos após Graham Bell ter patenteado o telefone, em 7 de março de 1876. Dois anos mais tarde, já surgiam as primeiras centrais telefônicas comerciais, estabelecidas entre Bridgeport e Black Rock, em Connecticut, como parte da disseminação do telefone pela América do Norte, e um componente crítico da infraestrutura do país. Contudo, o cidadão precisava localizar uma delas, o que nem sempre era fácil, e ainda pagar uma taxa alta para fazer uma ligação, que seria elaborada por um agente telefônico — que nem sempre estava disponível.
O primeiro telefone público foi instalado em 1889, na esquina da Main Street e Central Row, no centro de Hartford, ao lado do banco Hartford Connecticut Trust Company, uma criação de William Gray, filho de imigrantes escoceses, e desenvolvida por George A. Long.
Como acontece com a maioria dos inventores, a ideia para o aparelho surgiu diante de um problema: os trabalhadores de uma fábrica próxima não deixaram Gray usar o telefone fixo para ligar para um médico quando sua esposa começou a passar mal na rua. O primeiro protótipo do telefone público tinha uma espécie de gaiola pequena que cobria a boca do receptor e deslizava quando uma moeda era depositada.
(Fonte: Retro Planet/Reprodução)
Essa opção foi rejeitada sob o argumento de que uma moeda poderia pagar vários telefonemas de uma só vez, e que a pessoa que recebia a ligação também teria que pagar por ela para poder atender. Depois de algumas tentativas fracassadas, Gray chegou a uma solução modesta: um aparelho controlado por moedas que usava de um pequeno sino para indicar quando o dinheiro era depositado. Esses telefones foram chamados penny in the slot.
Com intuito de espalhar o telefone público pelo país, em 1891, Gray fundou a Gray Telephone Pay Station Company, colocando-o em postes e cabines, enquanto aprimorava sua criação. Ele acumulou mais de 20 patentes relacionadas ao telefone, incluindo várias inovações, como porta-moedas.
Com a virada do século XX, os avanços foram moldando cada vez mais a aparência do telefone público, das famosas cabines vermelhas em Londres às cabines de madeira na União Soviética. Até a década de 1950, o aparelho já era onipresente nas ruas dos EUA, tendo o tipo penny in the slot substituído por leitores de cartão embutidos, permitindo que os usuários fizessem chamadas sem ter que carregar moedas.
E foi por volta dessa época que a inovação de Gray se tornou o alvo preferido dos criminosos.
(Fonte: Click Americana/Reprodução)
Em meados de 1960, Charles Katz ficou conhecido como o mais proeminente apostador de basquete universitário do país, devido a sua fama como apostador desportivo (prática de colocar um preço na previsão de um resultado de jogo). Em quase todas as manhãs, ele entrava em uma cabine telefônica localizada na Sunset Boulevard, em Los Angeles, e transferia apostas ilegais de jogos de azar para Miami e Boston.
Na manhã de fevereiro de 1965, quando foi repetir seu hábito, Katz foi pego por agentes do Departamento Federal de Investigação (FBI), que havia começado a investigar suas atividades de jogo, gravando conversas através de uma escuta secreta conectada no lado de fora da mesma cabine telefônica que ele sempre usava.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Tendo as gravações como evidência, o golpista foi autuado em 8 acusações de transmissão intencional de informações de apostas por telefone, um crime federal. Em sua defesa, Katz argumentou que o comportamento do FBI invadiu sua privacidade, tendo em vista que a Quarta Emenda da Constituição protege “pessoas, não lugares”. No polêmico caso Katz v. Suprema Corte de 1967, os juízes decidiram por 7 a 1 a favor do homem, declarando que alguém conduzindo negócios em uma cabine telefônica, ainda que seja um esquema, deve ter uma "expectativa razoável de privacidade".
Daquele momento em diante, ficou previsto que as autoridades não podiam mais grampear um telefone público sem um mandado de busca, o que não só viabilizou quanto democratizou o uso dos aparelhos entre os criminosos, que faziam e recebiam ligações para orquestrar de esquemas a ordenar resgate de sequestros.
Os crimes envolvendo o telefone público, atingiram seu pico no início dos anos 1990, quando havia cerca de 2 milhões deles no país, após causar problemas ao longo das demais décadas.
É impossível calcular a quantidade de crimes associados aos telefones, que hoje se tornaram história, além de peças em museus, porque suas linhas e conexões guardam segredos indecifráveis, de juras de amor a ameaças e soluços de desespero.