Artes/cultura
06/10/2022 às 12:00•3 min de leitura
O vídeo de uma entrevista realizada pelo presidente Jair Bolsonaro para o The New York Times em 2016 passou a viralizar nas redes sociais nas últimas semanas. Durante sua fala para o jornal norte-americano, o candidato a reeleição ao cargo máximo do executivo afirmou ter sido convidado por uma tribo indígena para comer carne humana.
Logo, a frase passou a ser associada como uma alegação de canibalismo. No entanto, qual o real contexto dessas afirmações? O Brasil realmente possui um histórico de canibalismo dentro das tribos indígenas? Se sim, essa prática continua sendo realizada em território nacional? Entenda nos próximos parágrafos!
(Fonte: Wikimedia Commons)
A verdade é que o canibalismo (ou algo parecido com isso) de fato já foi uma realidade no Brasil, principalmente antes dos europeus chegarem em nossas terras. No século XVI, logo no início da colonização portuguesa, diversas tribos indígenas — entre elas os tupinambás — costumavam realizar uma prática chamada antropofagia, o ato de comer carne humana por conta de um ritual.
A antropofagia se assemelha ao canibalismo em termos da ingestão de carne humana, mas se diferem justamente pelo fato do primeiro ser algo ritualístico, enquanto o segundo existe apenas como uma prática associada ao comportamento predatório. Relatos de antropofagia no Brasil existem desde que os viajantes europeus chegaram aqui, sendo a descrição detalhada do ritual feita pelo mercenário alemão Hans Staden uma prova disso.
Staden foi prisioneiro dos tupinambás entre 1554 e 1557. Em seu texto, ele descreveu que os tupinambás costumavam capturar uma vítima em campo de batalha e sua carne pertencia ao primeiro que a houvesse tocado. Esse refém poderia circular "livremente" pela aldeia por dias ou até anos antes da sua execução. Após morto, o sangue da pessoa deveria ser bebido ainda quente pelos indígenas, seu cadáver seria assado e escaldado para consumo.
O crânio do derrotado ficaria fincado numa estaca na frente da casa do vencedor, o qual usaria os dentes de sua vítima como colar e as tíbias seriam transformadas em flautas e apitos. Para muitas comunidades indígenas naquela época, consumir a carne de seus adversários faria com que essa pessoa adquirisse mais força para novas batalhas.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Para as tribos indígenas mais antigas do Brasil, os astros tinham muita importância prática no dia a dia. Por exemplo, o Sol era quem fornecia todo o calor e luz necessário durante o dia, enquanto a Luz trazia fim a escuridão total durante a noite. Sendo assim, os homens primitivos sempre tiveram muito interesse sobre como os corpos celestes influenciavam suas vidas.
Dentro de uma tribo indígena, cabia ao pajé, o líder religioso, prever a chegada das chuvas e os acontecimentos relacionados com a vida da aldeia através das influências marcantes dos astros. Inclusive, essa relação íntima com a astrologia era algo muito relevante na cultura antropofágica dos tupinambás.
Os prisioneiros da tribo usavam um colar ao redor do seu pescoço feito de madeira e fios de algodão, que marcavam o tempo de ceva da vítima antes do abate — e tudo dependia das fases da Lua. A Lua não só mostrava os melhores dias para se matar um adversário, mas também o melhor momento para caça e pesca, além do desenvolvimento de plantações.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Embora a antropofagia fosse algo relativamente recorrente entre as tribos indígenas no Brasil, pode se dizer que atualmente só sobram os descendentes dos praticantes desses rituais por aí. A partir do momento em que missionários jesuítas pisaram em solo brasileiro, eles ficaram horrorizados com esse tipo de prática.
Logo, os rituais passaram a ser fortemente combatidos, visto que não eram compatíveis com os valores cristãos. Conforme relata a indígena Ysani em seu canal no YouTube, tribos que não praticavam rituais antropofágicos passaram a entregar os "canibais" para os portugueses. O que, por sua vez, fez com que essas populações fossem dizimadas.
Em 2009, a Fundação Nacional do índio (Funai) descartou que a prática de canibalismo continue acontecendo entre povos indígenas no Brasil. O comunicado foi feito após o corpo de um rapaz de 21 anos ser encontrado nas terras da aldeia indígena Kulina, no Amazonas. No entanto, a situação foi julgada como um crime hediondo e caso isolado dentro da comunidade.
Sabe-se que, hoje em dia, a tribo dos ianomâmis ainda conserva o hábito de comer as cinzas de um amigo morto como sinal de respeito e afeto. De acordo com os pesquisadores, esse costume existe porque os indígenas notaram como plantas ficavam mais saudáveis após ter as cinzas de um morto depositadas nelas. Com isso, eles deduziram que ingerir as cinzas de entes queridos permitiria que as boas características do defunto fossem perpetuadas.