Ciência
13/04/2023 às 08:00•3 min de leitura
Semelhantes às estruturas de mundos de fantasia, as pontes jingkiengjriksiar, na Índia, concebidas em respeito às lendas locais, são um cartão-postal surpreendente. Constituídas de raízes vivas, elas remontam a centenas de anos e respeitam os conceitos de vida da tribo Khasi, para quem a ideia de uma árvore no formato de elo vai muito além do que é contado nas histórias.
Hally War, um agricultor de 68 anos da vila de Siej e membro da tribo Khasi, conta que, no início dos tempos, 16 tribos primordiais viviam com seu criador no reino das nuvens, conhecido como uma morada celestial. Certo dia, um dos homens olhou para baixo e descobriu um paraíso repleto de cachoeiras, selvas e comidas idílicas. Foi então que ele pediu ao seu líder um meio de transitar entre os dois mundos: a jingkiengjriksiar, uma mítica "ponte dourada" que estabeleceu a conexão entre terras particularmente distintas.
As histórias se perpetuaram no país e vários povos se juntaram não para construir essas pontes pelas florestas locais, mas para cultivá-las. Hoje, elas são conhecidas como jingkieng jri e consistem em raízes aéreas entrelaçadas na forma de estruturas sólidas, conectando o passado, o presente e o futuro de grupos ancestrais. “Os construtores indianos então se voltaram para seu ambiente natural para aproveitar as matérias-primas e começaram a levantar estruturas e pontes sobre os riachos e terrenos inóspitos”, escreve Ian Lyngdoh, autor do livro Ficus Khasiana.
(Fonte: Getty Images / Reprodução)
A arte de tecer raízes tem como base a Ficus elastica, uma espécie de figueira que, caso se reforce com outras semelhantes, é capaz de gerar resultados surpreendentemente resistentes. Lyngdoh esclarece que, a cada ano, essas pontes ficam ainda mais fortes e, enquanto as árvores permanecerem vivas, chegam a durar mais de 500 anos, acomodando até 50 pessoas ao mesmo tempo. "Herdando uma cultura profundamente enraizada no meio ambiente, as pessoas desenvolveram uma arquitetura viva que não foi encontrada em nenhum outro lugar em termos de aplicação e filosofia", completa.
Em entrevista, War conta que começou a interagir com as raízes vivas aos nove anos, quando passava tempo com seu avô nas proximidades do rio Ummunoi. Assim, com um forte interesse em dar continuidade à tradição, ele aprendeu sobre as características das raízes aéreas flexíveis, meios de as ancorar com outros objetos e como preparar arranjos arquitetônicos para garantir o modelo desejado — tudo com a intenção de elevar uma ponte forte o suficiente para se sustentar sozinha.
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Nesse processo, War também aprendeu sobre uma série de propriedades florestais que definiriam o tratamento dado em relação a todos os processos de cuidado e de manutenção com o meio ambiente. Isso inclui conhecimentos sobre frutas e cogumelos hostis, plantas que pudessem prevenir doenças, materiais para tratar pedras nos rins e uma série de artifícios que ajudasse o ser humano sem prejudicar o ambiente local.
Durante o processo de levantamento das pontes, War entendeu como o tempo agiria em seu crescimento natural. Essa etapa de acompanhamento estimulou o agricultor a refletir sobre diversos conceitos trazidos por sua tribo e o levou a reconhecer o respeito que o povo tem pelo diengjri, como a Ficus elastica é conhecida pelos Khasi. “O diengjri em algumas aldeias é sagrado e certos ritos e rituais são realizados dentro e ao redor da árvore ficus. É considerado o salvador e protetor da floresta pelos habitantes”, escreve Lyngdoh.
(Fonte: Getty Images / Reprodução)
Para os sacerdotes da religião tradicional, a "ponte dourada" não apenas conecta eras, mas destaca uma ligação simbólica entre o mundo físico e espiritual, sendo atribuída a um caráter transcendental e sagrado. “Só os velhos podiam plantar esse tipo de árvore. Acreditava-se que as raízes drenariam a força vital dos jovens e a possibilidade de gerar filhos”, lembra War. Desde então, construir as pontes se tornou o trabalho de sua vida, levando cerca de 50 anos para concluir o "primeiro estágio" da ponte de seu avô e outros 17 em um segundo ponto de interesse.
Em 2022, a Índia apresentou uma proposta para incluir o diengjri entre os locais de Patrimônio Mundial da UNESCO e contribuir para "a ecologia através da restauração florestal e ribeirinha". Com isso, o país espera que cerca de 72 pontes vidas em Meghalaya sejam protegidas globalmente, estabelecendo uma "viagem etnobotânica distinta enraizada na profunda reciprocidade e síntese cultura-natureza", "um apogeu da relação homem-planta" e "um avanço notável em design e engenharia baseados na natureza".