Qual foi o legado do Tribunal da Inquisição no Brasil?

04/09/2023 às 14:003 min de leitura

Eram meados de 1478 quando a rainha Dona Isabel de Castela e o rei Dom Fernando II de Aragão tomaram uma decisão: reavivar o Tribunal do Santo Ofício. A princípio, o objetivo dos denominados "Reis Católicos" era perseguir os judeus para tomar posse de suas riquezas acumuladas, uma vez que detinham o poderio das atividades comerciais da época. Com isso, se tornou interessante que todo o criptojudaísmo (a prática de exercer a fé judaica em segredo) fosse investigado e suprimido.

De qualquer forma, não demorou muito para que essa perseguição se estendesse à coibição de tudo o que fosse considerado heresia, como adultério, bruxaria, seitas e o anabatismo (um movimento cristão que não se adequava às ideias da Igreja Católica).

Os Reis Católicos. (Fonte: eBiografia/Reprodução)Os Reis Católicos. (Fonte: eBiografia/Reprodução)

Em Portugal de 1497, a Inquisição, previamente instaurada pelo rei Manuel I, preferiu estabelecer a conversão forçada dos judeus, medida que somente acirrou os ânimos entre os cristão e os cristão-novos (ex-judeus). Como resultado, vários episódios de violência aconteceram no início do século XVI, já sob o reinado de Dom João III.

Portugal fez dos países ibéricos americanos o foco das atividades da Inquisição para regulamentar a religiosidade em suas colônias. Essa busca pela hegemonia da fé e a coibição de tudo foram responsáveis por mais de 50 mil mortes, em sua maioria de mulheres, vítimas de bruxaria.

Apesar de ter sido colônia portuguesa, o Brasil nunca teve um Tribunal do Santo Ofício, mas isso não impediu que inquisidores investigassem comportamentos, inibissem condutas e avaliassem a dimensão da heresia em solo brasileiro.

Esse foi o legado da Inquisição no Brasil.

Os envolvidos

(Fonte: Editora Cleófas/Reprodução)(Fonte: Editora Cleófas/Reprodução)

O Brasil Colônia serviu para Portugal como uma espécie de posto avançado de suas práticas inquisitórias. Os agentes do Tribunal sabiam que havia uma presença judaica significativa em solo brasileiro porque aqui esses povos encontraram refúgio devido à relativa ausência de normas restritas e grande vazio demográfico, onde poderiam se refugiar e recomeçar a vida.

O caso de Branca Dias é considerado o de maior êxito na fuga da perseguição portuguesa. Filha de pais convertidos ao cristianismo e nascida em Portugal, ela fugiu para o Brasil com seu marido, Diogo Fernandes Santiago, após ser denunciada ao Tribunal por "judaizar". O casal foi parar no Ceará e teve sucesso no ramo da cana-de-açúcar, montando engenhos entre a Paraíba e o Pernambuco. A influência de Branca fez dela uma das primeiras professoras do Brasil, e responsável por levantar uma escola especializada em ministrar aulas de alfabetização apenas para meninas.

Por esse motivo, a partir de 1591, foram estabelecidos os "tribunais de visitação", para onde os agentes da Inquisição iam quando visitavam o Brasil para analisar pecados, promover celebrações, compilar denúncias e reforçar a censura. 

Os tribunais importantes e considerados "oficiais" ficavam apenas em Lisboa e Coimbra, e eram responsáveis por exercer sua autoridade sobre a colônia brasileira.

(Fonte: ENEM Gratuito/Reprodução)(Fonte: ENEM Gratuito/Reprodução)

Quando os agentes portugueses não estavam no Brasil, os processos inquisitórios ficavam nas mãos dos agentes associados, normalmente membros do clero, e dos denominados "familiares", que eram civis que colaboravam com a Inquisição. Eles agiam como espiões e denunciantes em troca de isenção de impostos e cargos importantes na administração colonial.

Mas não era qualquer um que poderia se tornar um familiar. Era necessário a comprovação da fé católica e não ter ascendência judaica, muçulmana, indígena e negra para configurar um status de "sangue infecto".

O militar português Antônio Borges da Fonseca foi um famoso agente familiar. Suas colaboração ao Tribunal lhe rendeu uma boa reputação em Lisboa, tanto que ele chegou a governar a Paraíba, entre 1745 e 1753, sendo que até seu filho entrou para a política. Por mais de uma vez, Borges da Fonseca prendeu cristãos-novos por práticas "judaizantes" na Paraíba. Seu papel, assim como de outros familiares, foi essencial para manter as bases do funcionamento da Inquisição no Brasil.

Os odiados

(Fonte: SNP Cultura/Reprodução)(Fonte: SNP Cultura/Reprodução)

No livro Inquisição: Rol de Culpados, a historiadora brasileira Anita Novinsky aponta pelo menos 1.819 casos de brasileiros denunciados ao Tribunal do Santo Ofício por práticas consideradas "contrárias à fé", como homossexualidade, bigamia, feitiçaria e judaísmo. A maioria dessas pessoas era o público alvo do Tribunal, os cristãos-novos.

A primeira brasileira a ser condenada à fogueira da Inquisição foi Ana Rodrigues. Denunciada por realizar práticas judaicas no engenho Matoim, no recôncavo baiano, ela foi levada a Portugal aos 80 anos, em 1593, onde ficou presa à espera do seu julgamento. Ana acabou morrendo ainda em sua cela, antes de saber que seria queimada.

A fogueira era apenas uma das penas que poderiam receber os culpados pela Inquisição portuguesa. A prisão era a mais branda entre elas, seguida pelo uso do hábito penitencial, uma espécie de túnica que marcava os condenados como culpados. O confisco dos bens e o exílio eram as piores penas. Esse último, inclusive, foi considerado um grande problema para o Brasil, pois, assim como em Angola, era onde muitos condenados portugueses terminavam.

Esse foi um dos motivos pelos quais o Tribunal foi construindo uma fama odiosa entre os habitantes locais, que muitas vezes hostilizavam e expulsavam os agentes da Inquisição das vilas.

(Fonte: Viagem para a Itália/Reprodução)(Fonte: Viagem para a Itália/Reprodução)

Colocar o Brasil como destino para os exilados o infestou com benzedeiras, curandeiras, xamanistas e milagreiras. E eles se estabeleceram aqui porque os recursos médicos eram escassos, portanto as correntes de pensamento religioso propiciaram um ambiente um pouco mais tolerante religiosamente.

Quando a Inquisição deu início a sua derrocada, no final do século XVIII, coincidindo com o surgimento das ideias iluministas e a diminuição da influência da Igreja Católica, o Brasil já havia se contaminado pelas raízes de sua influência.

O período não só criou marcas de origem, visto que muitos brasileiros possuem ancestrais cristãos-novos, como deixou pelo país um grande rastro de intolerância religiosa.

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