Artes/cultura
31/10/2023 às 10:00•2 min de leitura
No ano passado, uma comunidade New Age que se estabeleceu nos arredores de Reykjavik, capital da Islândia, se viu chocada quando encontrou o símbolo de uma antiga maldição viking na entrada de onde vivem. Pouca gente não se assustaria com a cabeça de um cavalo empalada em um poste. Para piorar, misteriosos dizeres escritos com runas estavam na madeira.
A comunidade não é bem-vista pelos vizinhos devido aos cânticos acompanhados por batuques, festas com alucinógenos e outros costumes mais liberais. Apesar disso, mais tarde foi esclarecido que o poste com a cabeça de cavalo empalada não era direcionado à comunidade como um todo — na verdade, a maldição era dirigida a um membro do grupo, acusado de praticar violência sexual e psicológica contra um ex-membro.
Representação do nithing pole nas sagas islandesas. (Fonte: Wikimedia Commons/Reprodução)
Anna Björg, CEO do Museu de Bruxaria e Magia da Islândia, afirmou em entrevista para o site Atlas Obscura, que o costume viking tem voltado a ocorrer na Islândia nas últimas décadas. Segundo ela, a prática, chamada de nithing pole ou scorn pole (o termo não tem uma versão "oficial" em português, mas poderia ser traduzido como "poste do covarde" ou "poste de desprezo"), é uma maldição que pode ser encarada de duas formas: quando é realizada contra uma instituição tem um caráter de protesto; já quando é voltada para uma pessoa, pode até soar como uma ameaça de morte.
Em 2006, um grupo de ambientalistas usou esta técnica para mostrar indignação contra políticos que votaram a favor da construção de uma Usina Hidrelétrica que causaria efeitos ambientais. Na época eles colocaram o poste junto à estátua do herói da independência da Islândia, que fica voltada para o Congresso. Depois disso, outros grupos já utilizaram esta forma de protesto.
O líder Øystein Meier Johannesen usou um nithing pole para se manifestar contra os elevados preços da eletricidade na Islândia. (Fonte: Dagbladet / Reprodução)
O primeiro relato sobre essa maldição remonta ao século XIII e está descrito nas sagas islandesas, uma série de textos em prosa que mistura a história local com mitologia e religião. Na história, Egil Skallagrímsson finca um tronco de árvore no chão e empala a cabeça recém-cortada de um cavalo nela, apontando para o lugar onde estava quem queria amaldiçoar. Depois, ele talha o poste com runas que descreviam um poema com a maldição completa, que foi dirigida ao então rei Eric e à rainha Gunnhilda.
Representação de Egil Skallagrimsson em versão do século XVII das sagas islandesas. (Fonte: Wikimedia Commons/Reprodução)
O retorno da prática pode estar relacionado a um ressurgimento do interesse pelo paganismo na Islândia. Em 1972, fundou-se o grupo pagão Ásatrúarfélagið, abreviado para Ásatrú — no ano seguinte eles se tornaram uma religião oficial no país. Em 45 anos, eles se tornaram a religião que mais cresce no país, segundo dados do National Bureau of Statistics. Em 2017, já eram cerca de 5 mil membros, o que pode parecer pouco, mas representa 1% da população nacional.
O Ásatrú é a religião com mais seguidores na Islândia depois do Cristianismo. Para eles, as sagas islandesas não são meros relatos históricos, mas as escrituras sagradas. O grupo está concluindo as obras do primeiro templo pagão construído em mais de mil anos e pretende popularizar as tradições vikings no país.