Estilo de vida
25/12/2023 às 08:00•2 min de leitura
Em um tranquilo bairro do subúrbio, em alguma cidade dos Estados Unidos, caminha uma pessoa diferente de todas as outras. Com uma lâmina na mão e distorcido por traumas passados, esse misterioso vilão procura por jovens libidinosos que se tornarão suas vítimas. Esta é a trama geral dos filmes slasher, um subgênero do terror sobre serial killers que se consolidou com clássicos como Halloween, Sexta-feira 13 e A hora do pesadelo.
De maneira geral, Psicose, o clássico de Alfred Hitchcock, costuma ser lembrado como o precursor de todos esses filmes. Porém, outro filme lançado alguns meses antes, e que ficou esquecido por décadas, também teve um papel fundamental ao desafiar convenções e causar controvérsias.
Cartaz de A Tortura do Medo. (Fonte: IMDb)
O nascimento do slasher no cinema aconteceu entre 1974 e 1978 com os lançamentos de O Massacre da serra elétrica e Halloween, respectivamente. Ambos foram considerados filmes bastante violentos para a sua época e tinham uma série de elementos em comum, que passaram a ser reproduzidos pelos filmes de terror nas décadas seguintes.
Mas alguns anos antes, em 1960, Michael Powell dirigiu um longa que marcou definitivamente a sua carreira — para o bem e para o mal. A Tortura do medo se passa em um contexto pós-guerra em Londres. O filme acompanha Mark Lewis, um cineasta com um fetiche sádico: filmar mulheres em seus momentos finais usando uma câmera equipada com uma baioneta. A recepção inicial foi avassaladora, com críticos enojados e distribuidores cancelando a distribuição britânica, relegando o filme ao esquecimento por duas décadas.
Em uma época de mudanças sociais e relaxamento da censura cinematográfica, A tortura do medo desafiou as normas morais da representação do crime no cinema. O filme mergulhou nas sombras, explorando temas como voyeurismo e obsessões patriarcais. E diferente de Psicose que deixava dúvidas sobre a identidade do assassino, A tortura do medo identificava Mark desde a primeira cena, convidando os espectadores a ver tudo através dos olhos do assassino — uma técnica cinematográfica conhecida como ponto de vista.
Michael Powell com seu filho, Columba Powell, nos bastidores de A Tortura do Medo. (Fonte: IMDb)
Até 1960, Powell era conhecido por seus filmes de romance e alguns de aventura. Ele mesmo não considerava A tortura do medo um filme de terror, mas uma exploração freudiana de um criminoso. Contudo, poucas semanas após a estreia do longa, a carreira de Powell estava praticamente destruída e ele trabalhou em poucos filmes nos anos seguintes.
Foi apenas na década de 1970 que Martin Scorsese descobriu o longa e fez com que ele se tornasse famoso. O então jovem cineasta — que já era fã de Powell pelo seu trabalho com Os sapatinhos vermelhos — afirmou que A tortura do medo, junto com 8½, de Federico Fellini, possuía tudo o que era preciso saber sobre direção, ao explorar a objetividade e a subjetividade do processo cinematográfico.
O filme aborda ansiedades da cultura britânica, repressão sexual, voyeurismo ritualizado e violência perversa. Cenas memoráveis, como a primeira nudez frontal no cinema britânico, desafiaram as normas estabelecidas na época e mesmo após décadas, críticos e cineastas destacam a influência duradoura de A tortura do medo, não apenas como precursor do slasher, mas também como o pioneiro na autorreflexão do gênero.