Artes/cultura
25/07/2024 às 18:00•3 min de leituraAtualizado em 25/07/2024 às 18:00
Estima-se que atualmente, 106.857 pessoas vivem em situação de rua em São Paulo, das quais 64.818 estão localizados na capital da cidade, conforme constataram a equipe de pesquisadores do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, do Polo de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As moradias improvidas, como barracas colocadas nas ruas, sofreram um crescimento de 330% em 2021 em relação a 2019, de acordo com os dados. De todas as pessoas morando nas ruas, 39,2% são naturais da capital paulista, 19,86% são de outras cidades, e 40,94% são de outros estados do Brasil. O principal motivo que trouxe 52% das pessoas não naturais para a metrópole foi a busca por trabalho/emprego. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) explicou que 54% das pessoas que foram morar nas ruas foi devido à pobreza, desemprego e falta de moradia adequada a preços acessíveis.
Em nota, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS), alinhada com a Política Nacional para População em Situação de Rua, anunciou que financia e cofinancia programas de apoio para essas pessoas nos 645 municípios, repassando, anualmente, mais de R$ 200 milhões em serviços socioassistenciais, como os Centros Pop. Fora isso, alegou que investiu, só em 2023, cerca de R$ 40 milhões em medidas para o enfrentamento da dependência química.
Em 2021, o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, lançou uma campanha virtual que denunciou mais de 100 pontos com arquitetura hostil em São Paulo.
Réguas de dentes de metal em uma parede baixa, estacas de pedra em vãos de viadutos e marquises, divisórias de metal em bancos públicos e outros tipos de iniciativas perigosas – e feias – é o que caracteriza a denominada arquitetura hostil. Esse conjunto de dispositivos construtivos são feitos com o objetivo expresso de impedir a permanência de pessoas em situação de rua em bancos de praças, espaços residuais em fachadas e demais áreas livres.
Portanto, ainda que não esteja familiarizado com o termo, se vive em uma metrópole como São Paulo, que sustenta a alcunha de “terra das oportunidades” na mesma proporção que possui o maior contingente de pessoas morando nas ruas por falta de emprego e moradia acessível, certamente já se deparou com esses “acessórios urbanos”.
As raízes da arquitetura hostil são encontradas já no século XIX em países e cidades europeias, como Veneza e Londres, onde a iniciativa pública criou os defletores de urina, um dispositivo construído nas laterais ou cantos dos edifícios para desencorajar a micção pública. O conceito dessa intervenção pública foi absorvido pelos Estados Unidos segregado da década de 1960 para impedir que pessoas pretas encostassem ou ocupassem lugares destinados apenas a pessoas brancas.
Em meados da década de 1980, as elites norte-americanas foram confrontadas com um aumento gigantesco da população desabrigada devido aos cortes de serviços, o fracasso nacional em lidar com o HIV e a AIDS, o processo de gentrificação acelerada e a desindustrialização que empurraram milhares de pessoas para fora da moradia permanente.
A alternativa para empresas e políticos pós-industriais que queriam atrair compradores, turistas, trabalhadores de escritório e incorporadoras imobiliárias para metrópoles como Nova York, foi instalar alternativas arquitetônicas na paisagem pública em vários pontos das cidades para espantar pessoas carentes e moribundas. Dessa forma, sua presença não diminuiria os valores das propriedades, ainda que vulnerabilizasse ainda mais sua vida.
Há defensores que alegam que esse tipo de desenho urbano é necessário para ajudar a manter a ordem, garantir segurança, coibir comportamentos indesejados e manter a paisagem “limpa”. Essa ideia de higienização não só é um reforço à segregação de pessoas em situação de rua e escancara um problema que deveria ser resolvido por meio de políticas públicas, como é considerada uma espécie de anti-arquitetura.
Em matéria ao Archtrends, as arquitetas Carol Bernardo e Tamires de Alcântara observaram que, se a base da arquitetura é o abrigo e o ofício do Arquiteto e Urbanista é propor espaços de bem-estar e acolhimento, impedir o uso de espaços públicos vai na contramão desses princípios. A arquitetura hostil, como ficou claro no ponto acima sobre sua jornada histórica, nunca se tratou de uma alternativa para resolver a complexa questão das pessoas em situação de rua, apenas uma forma da especulação imobiliária e da iniciativa privada não perder oportunidades.
Com isso, todos os cidadãos perdem, a começar por uma simples atividade, como sentar em um banco para descansar e desfrutar da sombra de uma árvore. A culpa não é de quem ocupa esses espaços em situação de sobrevida. Além disso, a cidade pertence a todos, não apenas àqueles que tem poder de compra.
Em 22 de dezembro de 2022, foi derrubado o veto do então presidente Jair Bolsonaro ao projeto de Lei 488/2021, que veda o emprego de técnicas de arquitetura hostil em espaços livres de uso público. Com isso, foi promulgada pelo Congresso Nacional a lei n.º 14.489/2022, levando o nome de Padre Júlio Lancellotti, classificada como “lei de ocasião”, por ter sido criada a partir de fatos que mobilizaram a opinião pública. Práticas de arquitetura hostil são consideradas crime.