Estilo de vida
07/10/2019 às 13:00•3 min de leitura
Pesquisadores estão começando a reunir pistas sobre a relação entre parasitas e hospedeiros a fim de descobrir como isso moldou algumas funções do cérebro animal. O psicólogo Marco Del Giudice, da Universidade do Novo México, publicou recentemente uma revisão abrangente da pesquisa sobre esse assunto.
Chamada de "Designers Invisíveis: Evolução do Cérebro Através das Lentes da Manipulação de Parasitas", a análise explica que o ataque parasitário implacável provavelmente moldou os sistemas nervoso e endócrino de seus hospedeiros. "Milhões de anos de ataques pela manipulação de organismos devem ter exercido uma forte pressão seletiva na evolução do cérebro em animais", explica o pesquisador na publicação especializada Quarterly Review of Biology.
(Fonte: Pixabay)
Pode parecer impossível que algo tão pequeno e simples quanto um organismo unicelular assuma o controle de uma forma de vida muito maior, mas você pode identificar o fenômeno com frequência na natureza. Ratos têm uma reação instintiva e inata ao cheiro de um felino e que diz "fique longe". Isso é um sentido evolutivo básico, mas um rato infectado com Toxoplasma gondii não age dessa maneira.
O parasita tem um objetivo: obter acesso ao chamado "hospedeiro definitivo". Nesse caso, ele quer construir uma casa dentro de um gato. Os ratos infectados com Toxoplasma gondii perdem a aversão ao cheiro dos felinos, aumentando bastante as chances de serem mortos e de o parasita migrar. Alguns pesquisadores constataram que os ratos até se sentem atraídos pelo aroma dos "inimigos" e apressam sua destruição.
(Fonte: Pixabay)
Como eles fazem isso? A química explica. Os neurônios se comunicam através de sinais químicos, por isso é essencial que os parasitas se insiram nesse processo. "Os parasitas podem penetrar o cérebro e atacá-lo por dentro ou secretar compostos neuroativos que o atingirão através da circulação", diz Del Giudice. "Nos dois casos, eles precisam superar a interface sangue-cérebro e suas defesas".
O corpo e o cérebro também trocam informações por meio de substâncias químicas liberadas por órgãos endócrinos, como tireoide e gônadas, além de partes do sistema imunológico. Um parasita pode se alojar em um órgão ou manipulá-lo do lado de fora. "Os hormônios produzidos por esses órgãos modulam a função cerebral e podem afetar poderosamente o comportamento", ressalta o pesquisador.
Existem muitos outros exemplos de animais sendo manipulados por parasitas. As formigas infectadas por uma lombriga chamada Myrmeconema neotropicumturns mudam de preto para vermelho, atraindo pássaros famintos, o hospedeiro definitivo do verme. Alguns peixes doentes perdem a coordenação motora e se tornam presas mais fáceis, espalhando esses seres.
Os parasitas tentam sequestrar animais há muito tempo. Felizmente, longos séculos de exposição a parasitas hostis levaram a defesas que dificultam a permanência deles no cérebro. Del Giudice diz que poderia haver muito mais desses confrontos polimórficos bloqueados em nosso DNA há milhões de anos.
Outra lição que os parasitas podem nos ensinar vem de um terrível exemplo, em que as vespas preparam quimicamente as baratas para serem suas vítimas. A vespa simplesmente injeta um coquetel químico na cabeça da barata, bombeando os gânglios do inseto com uma mistura de dopamina, octopamina e receptores opioides. Sob a influência química, a barata se limpa compulsivamente por meia hora enquanto a vespa prepara um ninho; quando volta e encontra a barata exausta, mutila sua antena e a leva de volta ao ninho, onde a vítima fica parada enquanto a vespa coloca a larva dentro de seu corpo.
Esse exemplo aponta para a eficácia de parasitas que não dependem de apenas um produto químico para obter acesso ao cérebro animal. Os parasitas de sucesso tendem a obter acesso usando várias vias químicas em vez de se especializar em apenas uma.
Há também uma tendência de escalonar os ataques, preparando-se para a grande intrusão com uma barragem de produtos químicos que coloca o campo em vantagem. Como as defesas de artilharia em um campo de batalha militar, alguns parasitas estimulam a produção de dopamina do hospedeiro, o que interfere nas reações defensivas, antes de liberar os produtos químicos invasivos destinados a se infiltrar no cérebro ou órgão do sistema nervoso.
A influência dos parasitas na evolução pode ter implicações modernas. Saber como ajudar o corpo a se defender contra parasitas é apenas uma parte da equação. Assim como eles, os seres humanos também estão tentando entender o funcionamento do próprio cérebro.
Saber como transportar produtos químicos através da barreira hematoencefálica é fundamental no desenvolvimento de tratamentos com medicamentos para transtornos do humor. "Se o cérebro humano contiver contramedidas evoluídas à manipulação", escreve Del Giudice, "as implicações para a psicofarmacologia podem ser profundas. Os tratamentos farmacológicos padrão podem imitar involuntariamente um ataque parasita e desencadear respostas defensivas especializadas".